MALHANDO O JUDAS

MALHANDO O JUDAS

Aquela Semana Santa foi inesquecível. Desde a saída da fazenda em um carro de bois, coberto com uma lona que ficava sobre os arcos de bambus afixados no carro.Colocadas as canastras com as roupas; as latas com as carnes mergulhadas na gordura de porco; o arroz já socado; o feijão; o fubá e muitos outros mantimentos,iniciava-se a viagem até Calambau . No interior do carro havia um movimento para a filharada de dona Cici e do Sr. José Carneiro tomarem os seus lugares. Eram seis meninas: Ilma,Neide,Marília,Ivone,Maristela,Marisa e eu com onze anos, o único menino.Eu jamais entraria debaixo de uma lona no carro, pois era enjôo na certa. Eu ia a pé com as duas ajudantes da casa, Efigênia e Maria Bananal.

Viagem tranqüila, com paradas obrigatórias nas minas de águas que jorravam nos barrancos no Morro da Mina,no Morro do Céu e o Morro dos Bastos onde também existia o boteco do Raimundo Caboré. Parava-se mais para termos o prazer de pegar uma folha de inhame que servia de copo para colocar a água. No morro dos Bastos o Zé Luquinha aproveitando a parada levava alguns pares de sapatos dos meninos, que a Dona Cici pedia para o Oliveira consertar as meias solas e entregá-los na casa de Dona Augusta, nossa avó, em Calambau .

Lá chegando o carreiro levava o carro para o portão do quintal da casa, a fim de descarregá-lo. A Marciana vendo a nossa chegada vai logo dizendo para a nossa adrinha! O pessoal da Cici está chegando! Era a hora de tomarmos as bênçãos e recebermos os abraços.

Entrávamos para a casa que era uma verdadeira chácara na cidade. Com horta, um grande pomar,criação de galinhas, paiol e um grande terreiro.Esta casa é onde hoje está o Escola Pe.Vicente de Carvalho, e o seu quintal ia até à rua do Cruzeiro.

Depois de um café que todos aguardavam ansiosos, pois sabíamos que eles vinham bem acompanhados por biscoitos de polvilho (famosos), bolos, rosquinhas, roscas, sequilhos, broas, etc.

Tudo com muita fartura, pois ficaríamos na vila por uma semana.

A nossa mãe Cici também veio no carro. E o nosso pai José Carneiro viria de charrete mais tarde, pois tinha compromissos na fazenda.

Tudo correu com muita expectativa durante a semana: Lava-pés; Sermão das Sete Palavras (que na verdade são mais de mil); Procissão do Encontro, Descimento da Cruz e Procissão do Enterro.

No sábado, para nós meninos vinha o melhor da festa: o Sábado de Aleluia!

Às nove horas da manhã a Missa da Aleluia com o repicar dos sinos, os foguetórios do Antônio de Paula e a apresentação da Banda de Santo Antônio no Largo da Matriz.

Simultaneamente a garotada já se movimentava no outro lado do Largo para ver a “Queima do Judas”.

Na véspera um grupo de rapazes já havia combinado para formarem a “Chácara do Judas”. Eram os jovens da época: Sebastião de Lorico,Geraldo Sabino,João de Lorico,Corereu, Soquito, Juca de Tião,Geraldo de Sô Ulisses,Tão Paquinha,Mário Donato,José do Patrocínio,Geraldo Diogo . José Abrão e outros.

Assim é que, no sábado à noite foram até as casas e cataram tudo que estava do lado de fora: gaiolas, carroças, balaios, carrinhos de mão, cabritos e muitas bugigangas. Levaram tudo de madrugada para a chácara do Judas. Arranjaram um grande boneco com uma corda no pescoço e encheram a sua barriga com bombas encomendadas do fogueteiro. Fincaram o boneco no meio da chácara. Quando o povo já havia chegado para ver o Judas, começou a distribuição dos seus herdeiros: Uma dentadura para a boca do Sr.Joaquim; Um pente para a careca do Sô Chiquinho; Um balaio para o Corereu colocar as laranjas roubadas dos quintais; uma gaiola para o Afonso Paca engordar a saracura; Um cabrito para o Soquito comer assado; e assim por diante. A cada oferta o povo vaiava e o recebedor não achava nada bom.

No final puseram fogo no Judas e foi uma grande explosão. Voando pedaços de Judas para todos os lados.

Logo em seguida apareceu o José Abraão com uma matraca e os meninos logo atrás. O José gritava:Aleluia!Aleluia! e nós respondíamos:-Peixe no prato e farinha na cuia! Desfilamos por todas as ruas da vila de Calambau.

E assim lá se foi uma Semana Santa, na recordação de um menino no início dos anos 50.

Murilo Vidigal Carneiro

Calambau, 11 de março de2020

12° dia da quarentena

murilo de calambau
Enviado por murilo de calambau em 11/04/2020
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