CORRENTES DE LIBERDADE

Eu era criança. Uns 5 anos. Fomos passear de charrete, eu, meu pai e meu avô materno, na casa de uns parentes. Moravam bem no interior, mais que a gente. Umas duas horas de charrete puxada à cavalos.

Chegando lá, os adultos ficaram no alpendre conversando. Eu encostado nas pernas do meu pai. Havia uns meninos, um pouco maiores do que eu, brincando perto do galpão no gramado, onde havia terneiros na soga – amarrados. Meu pai insistiu, alguém chamou os meninos e eu fui com eles brincar.

Lembro-me que manejavam laços e correntes. Eu olhando, sem interagir. Vi uma corrente mais pesada, dessas de arrastar toras, perguntei para que servia?

- Prá amarrar guri curioso, alguém respondeu. E antes que eu tivesse alguma reação me seguraram pelos braços e outro foi trazendo “o correntão” de arrasto, simulou me aprisionar. Claro que esperneei, gritei, eles me soltaram, corri para o colo do meu pai. Não saí mais.

Até hoje, não só lembro claramente dessa cena, como ainda tenho pesadelos à noite. A passagem está marcada no meu subconsciente ou inconsciente, sei lá.

Estou pensando na situação em que estamos passando hoje. Em quarentena, prisão domiciliar, esperando o vírus chegar. Os adultos sofrem, que dirá das crianças? Como ficará marcado no subconsciente delas? Que consequências terão para o futuro?

O certo é que esses dias, semanas, meses, acompanharão para sempre às nossas vidas. Estaremos tatuados. Essa pandemia causará profundas mudanças na população mundial. Como vamos reagir? O que faremos ao sair para liberdade?

Será que teremos equilíbrio e clareza para separar o joio do trigo? Será que saberemos usar a liberdade futura, que, com certeza, há de um dia chegar?

Muitas perguntas. Respostas difíceis e variadas. Seria ótimo termos clarividência para separar correntes políticas, diversas, que professam liberdades, todas prometem, mas que nos amarram pesadas correntes aos nossos tornozelos, tentando moldar-nos a um pensamento único. Somos obrigados a arrastar essas pesadas correntes com muito sofrimento, e assim, tentar romper grilhões, em busca da tão sonhada liberdade livre de correntes.

Porto Alegre, 11 de abril de 2020.

JORGE LUIZ BLEDOW – E-mail bledow@cpovo.net