A autonomia da vontade na quarentena social, o tratamento médico pela saúde e o crime
Foi noticiado em um jornal do sul do Brasil, dia desses, que um casal em um hospital, no aguardo de informações sobre estar ou não infectado com a COVID-19, fugiu do local. A partir dali o dois estavam sendo procurados pela Polícia por toda a cidade. Com esse caso real várias dúvidas foram emersas. Uma delas é a respeito da autonomia da vontade do paciente em tratamento de saúde. Por outro lado, com o advento da Constituição Brasileira de 1988, verifica-se que foram sancionados direitos e deveres para um Estado Democrático de Direito. Desses também se emanciparam com maior expressão os chamados direitos e garantias fundamentais e sociais. Tais institutos tem finalidade de serem atribuídos e gozados por todos os cidadãos. E, conforme está na Constituição Brasileira foi emanado em seu bojo que “são direitos sociais a educação, “a saúde”, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.
Diante do apresentado podemos distinguir que todos devem fazer jus ao direito da saúde, enquanto ao Estado cabe promove-la através de meios acessíveis e políticas públicas. E se por uma lado se recomenda estar em plena saúde como algo fundamental, compreende-se, além disso, que a condição de viver é produto imprescritível de saúde em plenitude, o que torna a vida o bem jurídico mais protegido. Ao se analisar as evidências sobre a precedência da autonomia da vontade e o direito da saúde do paciente em tratamento médico, constata-se que a pessoa é um ser de direitos e responsabilidades em todo momento quotidiano. No que tange à preservação da vida, em que pese ser o bem jurídico mais relevante, cada cidadão tem em si o direito à saúde como direito fundamental, bem como tem o direito à vida. Por outro lado, embasado precipuamente no princípio da dignidade humana, possui a faculdade de escolher como será o seu tratamento médico e em que situações e condições se darão.
Por consequência, caso o cidadão apresente-se em condições de tratamento médico e mesmo assim se recuse a ser submetido conforme a orientação médica e jurídica em razão de autonomia de vontade, ele tem, estando em condições de discernir, o direito de decidir sobre a submissão ou não a um tratamento que lhe seja coerente com sua situação presente e com suas crenças e convicções. Ainda que outros possam afirmar que a autonomia da vontade se trata de preservação da dignidade humana, por vezes há que se entender que o conceito de dignidade humana pode ser traduzido conforme a vontade, a consciência e o estado atual de cada ser humano.
Pois então, há casos diversos em que o médico não dispondo de oportunidade de consultar o paciente ou a família, obrigatoriamente deverá optar pela vida e seguir o direito e a ética médica em prol do maior bem jurídico tutelado. De outro modo ainda que o paciente se recuse a tratamento ou decisão que impossibilite longevidade, o médico e sua equipe deverão a partir de determinada deliberação, adotar todos os procedimentos necessários, viáveis e possíveis para que mesmo assim possa potencializar o tempo de vida daquele. Ou mesmo buscar alternativas que consigam aliviar de alguma forma o estado atual do paciente em tratamento.
No caso em lide, da fuga do casal de um hospital em meio a uma pandemia, verificou-se, segundo novas matérias jornalísticas, que ele cometeu um delito. Conforme o Código Penal Brasileiro em seu artigo 268 é crime “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. Adiante eles responderão pela infração penal, com possível pena de detenção, de um mês a um ano, e multa. Em razão disso vale a pena refletir melhor sobre como se portar diante de uma vontade “incontrolável” de fugir de um hospital, por exemplo. A orientação vale também para quem age em desacordo com determinação legal de manter, por exemplo, estabelecimentos comerciais em funcionamento com aglomeração de pessoas, ou alguém colocar em risco a vida dos idosos que são o grupo mais vulnerável neste momento de quarentena social.