OS BONS TELESPECTADORES
Não é de se espantar que, ao longo dos anos, nossos aparelhos de televisão estejam ficando cada vez maiores, visto que eles acabam ocupando um lugar de destaque nos lares. Tenho que admitir o grande receio que isso me causa. Já discuti, algumas vezes, com minha esposa a possibilidade de adquirirmos um aparelho com mais recursos, mas achamos melhor não arriscar, pelo menos por enquanto...
É claro que há programas interessantes e mesmo os de entretenimento podem ser um momento propício para a família se aproximar. Alguns momentos de união familiar que recordo de minha infância estão associados a isso. A família reunida no domingo para ver “Os Trapalhões”. Dávamos gostosas gargalhadas juntos, minha mãe estourava pipoca e assistíamos aqueles quatro caras hilários, no tempo que o humor não precisava ser ofensivo.
Lembro que, certa vez, ao fim de mais um capítulo, meu pai disse a todos nós que iria começar outro episódio na sequência. Todas as crianças se entreolharam, sabíamos que isso não era o normal, mas alimentamos aquela esperança. A decepção foi grande quando vimos que, na realidade, o que estava começando era o horário político. Só consegui entender a piada de meu pai anos mais tarde.
Claro que com a difusão dessa tecnologia, as emissoras se multiplicaram, as pessoas agora selecionam canais de interesse e cada um fica em seu mundo televisivo. As crianças conectadas em animações violentas, as mulheres preferem as novelas, geralmente. Os homens, programas esportivos que idolatram jogadores arrogantes. A televisão de hoje acaba segregando as pessoas.
Há uma música da banda carioca Rappa, que é um soco em nosso estômago, mas um soco poético, porque nos leva à reflexão. “Faltou luz mas era dia/O sol invadiu a sala/Fez da TV um espelho/Refletindo o que a gente esquecia.” Foi preciso um acontecimento imprevisto para que as pessoas voltassem a se enxergar. Para que a família se visse refletida na tela de um televisor desligado, como um reflexo no espelho. Lembrasse que também era importante, que não só os artistas que ali apareciam eram dignos de ter uma vida. Sobretudo foi possível refletir o esquecido, aquilo que foi deixado de lado, tudo o que fazemos no automático, porque é mais fácil. Tudo que já está programado, já que assim nos poupa da árdua tarefa de pensar.
Acredito mesmo que temos que ter cuidado, nosso cérebro acaba se amoldando a apenas ser um recebedor de informações pré-selecionadas. A acreditar que uma pessoa famosa é, por isso, melhor e que pessoas comuns não podem ser importantes. Além de perdemos a sutil e humana capacidade de nos indignar. São tantos os programas que nos mostram as tragédias cotidianas, que alardeiam os horrores de crimes brutais, que denunciam o bárbaro e o grotesco, que banalizam o hediondo, que quando algo acontece de real a nossa volta não temos mais sensibilidade para nos colocar no lugar do outro, para nos escandalizar.
Por isso que tento, na medida do possível e sem petulância, ser um divulgador da importância da leitura, sobretudo para meus alunos. Acho que a leitura ainda é uma forma de resistência à despersonificação que a tecnologia faz conosco. É um sopro de individualidade frente à força cruel da massificação. Só há uma forma de divulgar eficazmente a leitura, lendo. Os pais que pedem que seus filhos leiam e passam horas na frente da televisão não estão formando leitores, estão formando pequenos hipócritas.
A televisão se alimenta da nossa ignorância. A educação nos liberta de nossa alienação. E não é porque sou professor, é porque sou humano que pretendo que as pessoas entendam que educação tem que ser uma união de esforços. É preciso que não só a escola aprenda essa lição, mas pais, mídia, entidades religiosas. Ou continuaremos sendo apenas bons telespectadores.