AOS PÉS DA SANTA CRUZ
Não faz muito tempo que eu, num mês de Maio, sempre empunhando minha máquina fotográfica, passava por ali checando a região e suas maravilhas.
É preciso, pela vida, se agarrar em algo que nos dê prazer, que nos ensine sobre o todo, algo que, ainda que quebre os paradigmas daquilo em que acreditamos desde que somos crianças, nos agregue mais entendimento do todo.
Gosto de igrejas, de História da arte, de fotografia.
E foi assim que, de repente, me vi diante duma igreja, onde num banco colocado ali no jardim da sua entrada, havia enorme escultura de tamanho natural, bem realística, algo que , chegando mais perto, percebi se tratar duma arte a esculturar a situação dum morador de rua deitado ao relento, ali chamado de "HOMELESS".
A escultura nos convidava à reflexão dos porquês e me pareceu uma recepção de boas vindas à caridade entre os Homens.
Afinal, diante duma igreja Cristã, nada mais apropriado do que se fazer uma reflexão sobre nossa própria História da Humanidade, essa nossa que, desde que o Planeta Terra surgiu, desenha os rumos duma tão poetada condição humana meio desnorteada de propósitos.
Ali, eu já havia aprendido que devemos amar o mistério do Sagrado sobre todas as coisas mundanas e ao próximo como a nós mesmos...
Tirei uma foto da arte e logo intencionei visitar a igreja por dentro, para fotografar seu acervo de arte sacra, para depois, como sempre faço, me ajoelhar e rezar aquela oração ecumênica que Cristo ensinou ao mundo, válida para todos os seres, em todos os tempos e em quaisquer situações do planeta.
Então, me conduzi à entrada da igreja e qual não foi meu susto quando um corredor escuro, bem longo, interminável num labirinto, me levou até uma senhora que fazia a cobrança da entrada.
Para mim aquela situação era nova.
Tudo hermeticamente obliterado e coberto, onde apenas um cartaz orientava o preço do recinto:U$ 6,00.
Como não tinha o dinheiro ali, olhei ao derredor para ver se, num "zoom" conseguia uma foto da nave da igreja e de seus retábulos.
Sem chance.
Não teve conversa que solucionasse o meu problema.
Poderia pagar depois.
Todavia, tudo dentro da igreja estava coberto com um tecido roxo, igualmente aqueles que antigamente cobriam os santos nas Sexta-Feiras da Paixão, principalmente nas cidades do interior de São Paulo, onde quando criança eu participava das procissões que me impressionavam com a sensação opressiva que tudo aquilo me despertava.
Ali, senti que as portas estavam fechadas à minha máquina fotográfica e às minhas orações, mas jamais ao que veio ao meu pensamento.
Quando eu e mais algumas pessoas vencemos o corredor de volta ao jardim, em meio à uma multidão que se dirigia à mesma cobrança que encontrei na entrada da nave, eu me deparei com a mesma escultura ali, em sono profundo.
Agora, eu já a observava com mais atenção e fui, de súbito, surpreendida por algo que havia me passado despercebido.
A imagem ali esculturado tinha seu tronco e cabeça cobertos como as pessoas ao relento das vidas, todavia, as feridas cravejadas nos seus pés estavam à mostra aos que ali transitavam.
Por um instante me desconcertei com a comunicação do artista.
Fotografei mais uma vez aquela arte tão singular para levar em imagem de arquivo a certeza do tudo que já trazia dentro do meu coração.
Às vezes...é melhor não entender a mensagem visceral que nos é gritada pelos caminhos dos nossos pezinhos calçados de inocência, agora pés descalços de vários entendimentos.
Ali revigorei o aprendizado sobre a fé que, gratuitamente, remove as montanhas dos caminhos...
Então, instantaneamente rezei em pensamento à nossa Humanidade.
E dali retornei na certeza de que um dia chegaria para que eu pudesse registrar em crônica o que ali registrei na alma, diante da minha (e da nossa!) atônita passagem, sem ingresso e nunca obliterada, pelos tantos invisíveis pés da Santa Cruz.