COTIDIANO
Cotidiano
Regina Barros Leal
Era um dia como qualquer outro. Lia levanta-se arrastando os pés. Faz suas orações, sobretudo ao seu anjo da guarda. Na sala, sentada em sua casinha, a cadelinha com seu olhar pedinte, a fitava. Eram seis horas da manhã. Enquanto colocava ração no prato de Deca resolveu organizar os seus livros de uma forma diferente. Afinal, o ano estava se despedindo e queria fazer o diferente. Seria isso possível naquele dia? Tinha muitas tarefas a cumprir. As cogitações lotaram seus pensamentos; Dúvida? Não sabia ainda. Era sempre assim. Márcia hesitava. Custava tomar uma decisão simples. Pensou em ir ao psicólogo. Desistia todas às vezes. Driblava sua ansiedade comendo doce e escrevendo poesia.
Ainda de pijama, meio sonolenta dirigiu se ao banheiro. Que beleza! O chuveiro era forte e a água fria! O corpo tremia ao seu contato. Ufa! Mais um dia começando, teria que se arrumar rápido. As aulas começam cedo e os alunos chegam tarde, e o professor bate ponto! Hora de ir trabalhar! Universidade! As salas cheias de juventude, perguntas, sonolência, olhos brilhando, bocejos, São tantas as falas do corpo! Foi então que Márcia lembrou-se. Hoje não tinha aula. Reunião de curso. Que dia hein!
Colocou a chaleira no fogo, arrumou a mesinha da cozinha para três, os outros dois filhos já moravam fora há tempo. Os pratinhos, as xícaras, os talheres, a cesta do pão, o Nescafé e tudo que comporia a refeição da manha, além das frutas e dos queijos. Sua dieta estava em pleno vapor. Aliás, não era dieta, sim uma reeducação alimentar. Continuou. Limpou o local da Numa, colocou as roupas na máquina de lavar enquanto esperava que a Antônia chegasse para trabalhar. Ela dorme em sua casa, quase todos os dias. Claro e justo, tinha filhos para criar.
Assim prosseguiu com suas tarefas. Organizou sua cama, fez uma rápida limpeza na sala, retirou os farelos que os netos deixaram a noite ao comerem um monte de sanduíches, antes de saírem. Calma, sem pressa alguma, com a serenidade dos anjos, ouviu a campainha tocar. Era o motorista que queria a chave do carro para limpá-lo. Entregou-as. Ao mesmo tempo chegava Antonia, a moça prendada da casa. Ai de Lia sem ela! Tudo em paz. Agora iria ao computador. Olhar as mensagens no seu computador virara hábito matinal.
Quantas mensagens lindas, cartinhas, recados amorosos de amigos, os mais criativos possíveis. Lindos passeios pelo mundo. Fantásticas paisagens de pintores famosos, versos de poetas, recados da universidade, bilhetes dos filhos. Cartas e mais cartas virtuais! Curtia, lia todas, limpava o computador dos vírus que às vezes acompanha as gentis mensagens. Depois então abre o MSN e observa se há alguém on-line para manter uma breve conversa com alguns. Abre o face. Parabeniza os aniversariantes do dia, lê os recados, responde a todos eles. Uma hora no computador. Mas sempre valeu à pena! Até para viajar, são muitas as promoções das agências. Tinha que aproveitar para dar uma esticada e ver a filha e os outros netinhos. Lia já conhecia a forma de comprar mais em conta.
Depois de cumprida a missão virtual, resolve ir ao supermercado. Comprar comida, nesse período do ano virou obrigação diária. Os meninos devoram tudo. È um apetite voraz, (Risos). Lia gosta muito de fazer compras. Consumir dá certo prazer e um poder que ela curte. O de escolher! É muito bom escolher, selecionar, organizar e decidir o que vai levar. Gosta demais disso. É uma consumista de mão cheia.
Ao chegar a casa com as compras e o sentimento de quer mais, quase comprou aquele vinho. E os copos coloridos. O telefone tocou. Sua irmã liga quase sempre pela manhã atrás do cunhado dizendo que está pronta para viajar. O marido de Lia concorda.
Assim, o tempo vai passando sem alarde. Sem surpresas. À tarde a massagista. Muita dor em busca da beleza efêmera... almeja emagrecer porque, nesse momento, não se sente bem consigo mesma. Observa-se gorda, sem cintura, desengonçada, sem forma. Resolveu se cuidar. Urgentemente. Ficou assim depois daquela viagem maravilhosa. Os vinhos, as tortas, as comidas maravilhosas, os passeios. Mas não há problema sem soluções. Fechar a boca é o mais importante.
A noite chegou trazendo o marido de viagem, a sopa de verduras, a novela, o livro para ler, o sono que não chega fácil.
Esse dia foi mais um como tantos outros!
Será que um dia vai ganhar no loto?