CRÔNICA DE UM PACIENTE COM COVIT 19
O dia amanheceu incrivelmente escuro, como se a noite quisesse prolongar seu turno. Achei que finalmente o céu desabaria todo, convertido em chuva. A chuva que nós estamos precisando para lavar a cidade e as nossas almas junto com ela.
Mas não choveu. Foi somente uma ameaça. É uma pena. Por dois motivos acho que estamos precisando de um novo dilúvio. Para encher nossas represas quase secas, ou para afogar de novo a humanidade pecadora, que depois de tantas tentativas de Deus para salvá-la não consegue mesmo se tornar digna desse carinho.
Não aguento mais ouvir falar dessa pandemia que parece ter sido encomendada para salvar os sistemas previdenciários falidos de vários países. Ela vai matar um monte de velhinhos como eu e aliviar as contas públicas. Bom para o Guedes e o Bolsonaro. Por isso acho que ele está querendo que todo mundo saia de casa.
Uma carótida entupida levou-me para o hospital. Artérias que entopem são como avenidas numa grande cidade. A obstrução delas, seja no corpo humano, ou nas nossas grandes metrópoles levam ao colapso e ninguém pode prever as consequências que isso trás. Pena que nossos congressistas não levem em conta essa analogia: obstruem, por inconfessáveis motivos políticos, pautas importantes para o país e não deixam nada andar quando o assunto não é do seu interesse.
Para complicar peguei o tal corona vírus no hospital. Mal respiro, tenho febre, tremores e uma diarréia esquisita que drena para o vaso sanitário tudo que como. Agora tenho que cuidar do sangue e do ar que respiro, senão, daqui a pouco não terei nem nem outro. O mundo está de ponta cabeça. Chove onde não precisa chover e nem um pingo onde tem necessidade. Alguns se afogam nas águas pútridas que sobem dos rios contaminados, enquanto outros morrem de sede por falta da água limpa que deveria sair (e não sai) da boca das suas torneiras niqueladas. Enquanto isso saem mais impropérios das bocas dos políticos e dos administradores públicos do que água tratada nas torneiras.
Tanto faz morrer de sede ou afogados nos nossos próprios detritos. Nós somos os únicos culpados disso tudo, porque destruímos nossas florestas e poluímos os nossos rios. Só peço a Deus que se Ele estiver pensando em acabar com tudo outra vez para começar de novo, que Ele não invente um novo Noé. E ao invés de profetas malucos e redentores ingênuos, nos mande alguns administradores competentes. E se não for pedir demais, políticos honestos e magistrados imparciais.
E que por favor, acabe de vez com essas malditas caixinhas eletrônicas que destruíram a nossa antiga e salutar forma de comunicação. Ainda prefiro aquelas cadeiras na calçada, á tarde, e aqueles velhos papos descomprometidos. A gente não falava tanta bobagem nem contava tanta mentira, porque falávamos cara a cara e tínhamos vergonha de ser desmentidos.
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Nota: essa crônica foi escrita a pedido de um amigo meu, que pegou o corona vírus e está de quarentena em casa. Não se trata de uma experiência pessoal.
O dia amanheceu incrivelmente escuro, como se a noite quisesse prolongar seu turno. Achei que finalmente o céu desabaria todo, convertido em chuva. A chuva que nós estamos precisando para lavar a cidade e as nossas almas junto com ela.
Mas não choveu. Foi somente uma ameaça. É uma pena. Por dois motivos acho que estamos precisando de um novo dilúvio. Para encher nossas represas quase secas, ou para afogar de novo a humanidade pecadora, que depois de tantas tentativas de Deus para salvá-la não consegue mesmo se tornar digna desse carinho.
Não aguento mais ouvir falar dessa pandemia que parece ter sido encomendada para salvar os sistemas previdenciários falidos de vários países. Ela vai matar um monte de velhinhos como eu e aliviar as contas públicas. Bom para o Guedes e o Bolsonaro. Por isso acho que ele está querendo que todo mundo saia de casa.
Uma carótida entupida levou-me para o hospital. Artérias que entopem são como avenidas numa grande cidade. A obstrução delas, seja no corpo humano, ou nas nossas grandes metrópoles levam ao colapso e ninguém pode prever as consequências que isso trás. Pena que nossos congressistas não levem em conta essa analogia: obstruem, por inconfessáveis motivos políticos, pautas importantes para o país e não deixam nada andar quando o assunto não é do seu interesse.
Para complicar peguei o tal corona vírus no hospital. Mal respiro, tenho febre, tremores e uma diarréia esquisita que drena para o vaso sanitário tudo que como. Agora tenho que cuidar do sangue e do ar que respiro, senão, daqui a pouco não terei nem nem outro. O mundo está de ponta cabeça. Chove onde não precisa chover e nem um pingo onde tem necessidade. Alguns se afogam nas águas pútridas que sobem dos rios contaminados, enquanto outros morrem de sede por falta da água limpa que deveria sair (e não sai) da boca das suas torneiras niqueladas. Enquanto isso saem mais impropérios das bocas dos políticos e dos administradores públicos do que água tratada nas torneiras.
Tanto faz morrer de sede ou afogados nos nossos próprios detritos. Nós somos os únicos culpados disso tudo, porque destruímos nossas florestas e poluímos os nossos rios. Só peço a Deus que se Ele estiver pensando em acabar com tudo outra vez para começar de novo, que Ele não invente um novo Noé. E ao invés de profetas malucos e redentores ingênuos, nos mande alguns administradores competentes. E se não for pedir demais, políticos honestos e magistrados imparciais.
E que por favor, acabe de vez com essas malditas caixinhas eletrônicas que destruíram a nossa antiga e salutar forma de comunicação. Ainda prefiro aquelas cadeiras na calçada, á tarde, e aqueles velhos papos descomprometidos. A gente não falava tanta bobagem nem contava tanta mentira, porque falávamos cara a cara e tínhamos vergonha de ser desmentidos.
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Nota: essa crônica foi escrita a pedido de um amigo meu, que pegou o corona vírus e está de quarentena em casa. Não se trata de uma experiência pessoal.