VINGANÇA DE GERAÇÕES

Sempre brinco que pertenço a geração do “não mexe nisso!”. Aquela época em que as crianças eram apenas crianças e aos adultos cabia a missão de desvendar as funções de um aparelho elétrico, por exemplo. Caso a gente ousasse sequer tocar nesses equipamentos, lá vinha a advertência “não mexe nisso!”. O motivo era muito claro e não carecia de ser explicado, “isso não é brinquedo!”.

Até hoje justifico minha total inaptidão para a música, pelo fato de quando menino ao pegar um trompete, em uma festa qualquer, alguém me censurar “não mexe aí, porque senão seus lábios vão ficar grudados”. Aos seis anos, tudo o que eu não queria era ter um trompete grudado permanentemente em minha boca, então obedeci. Talvez seja hora de eu conversar com um psicólogo sobre isso...

O fato é que hoje são elas, as crianças, que nos ensinam. Não sei onde li que atualmente uma criança se sete anos tem mais informação do que um imperador romano. Quando o assunto é tecnologia então, é covardia. Elas assimilam com muito mais facilidade, claro são nativas dessa geração digital.

Conheço alguns amigos que se queixam de seus filhos, pois dizem que, embora esses pequenos dominem todas as funcionalidades de smartphones e similares, não gostam de ensinar. Eles fazem em poucos segundos, o que ficamos horas quebrando a cabeça, e fazem numa velocidade impossível de absorver. Penso que possa ser uma vingança inconsciente de gerações.

Há, no entanto, pessoas que se renderam. Pararam no tempo e demonstram ser resistentes às mudanças tecnológicas. Levantam até bandeira. De verdade, acho que sofrem da mesma forma, a realidade é implacável e nos rodeia a todo momento, mesmo estando offline. Negá-la pode ser um gesto de rebeldia, mas tem lá suas dores.

As coisas mudam muito rápido, esse ritmo alucinante de obsolescência programada é prejudicial, receio que essas crianças tecnológicas se tornem adultos tristes. O excesso de estímulos é como uma droga que exige doses cada vez maiores. Contudo acho que temos que encontrar um equilíbrio que nos permita não nos sentir estrangeiros em nossa pátria.

O passado pode ser uma fuga ou um mecanismo de defesa para muitas pessoas nessa era digital, aí fica a lição, composta em 1976, por Belchior, mas inesquecível na interpretação da eterna Elis: “O que algum tempo era novo, jovem/Hoje é antigo/E precisamos todos rejuvenescer”.