SÓBRIO E DE BAGAGEM LEVE

Recebi, ontem, um vídeo via whatsapp, como inúmeros que nos são enviados cotidianamente nesses grupos de relacionamento dos quais fazemos parte. Sei da possibilidade de ser mais uma “bobose aguda”, que me perdoem os que são adeptos ao envio desses conteúdos, mas há uma hora em que ficamos saturados. Esse, no entanto, traz em seu layout a imagem do ex-presidente uruguaio José Mujica, o que desperta meu interesse.

É um vídeo curto, 47 segundos, mas os 47 segundos mais bem gastos de meu dia, em razão da sabedoria que coube dentro desses instantes. Mujica é um gênio, porque consegue enxergar o óbvio e nos fazer enxergá-lo também... Descubro, posteriormente, que o vídeo, na realidade, é um fragmento de um megadocumentário intitulado Human (vale assisti-lo na íntegra).

Em sua breve e sábia fala, ele nos revela algo precioso, evidente, porém precioso. "As pessoas não compram com dinheiro, compram com o tempo de vida que tiveram que gastar para ter esse dinheiro.” Já havia visto a chácara humilde onde mora com sua esposa e sua cadelinha de três patas, já conhecia a simplicidade de Mujica, assim como suas críticas ao capitalismo, mas a frase me inquieta.

Tantas coisas que compramos sem precisar, cedendo a caprichos e impulsos. Lembro de um par de sapatos que adquiri no ano passado, até hoje guardado, perdi o encanto antes mesmo de estreá-lo, como se o desejo fosse apenas de possui-lo, usar não tem a mínima importância. Às vezes, olho para ele e me pergunto: O que vi nesses sapatos? É tarde! Quanto tempo de vida perdi ali? Quanto tempo de vida perdemos com tantas futilidades que compramos e jogamos fora e compramos, num ciclo vicioso e mortal?

Que estrago é esse que o capitalismo fez e faz em nossas mentes adoecidas? Pepe Mujica, ao contrário, conseguiu preservar sua liberdade. Mesmo sendo uma figura pública no cenário internacional, não se importa em exibir um sapato caro, um terno italiano; nada disso lhe atrai, porque ele sabe que nada disso o tornaria melhor. Quando ainda exercia seu mandato, ao ser perguntado como encara o fato de ser presidente, não hesitou em dizer “é um emprego qualquer. Tomo banho e vou trabalhar”. Ele sabia o que nenhum presidente na história demonstrou saber, os políticos têm que viver como a maioria, não como a minoria.

Não acredito em fórmulas de felicidade, tampouco aprecio literatura de autoajuda, mas sei que temos que nos espelhar em Pepe, à despeito dessa grotesca ostentação cultuada na sociedade. Sócrates, não o jogador e sim o filósofo grego, gostava de passear pelas ruas de Atenas, quando era abordado por um vendedor, dizia: “estou apenas observando quantas coisas existem e que eu não preciso pra ser feliz”. Façamos nós também, como diria Frei Beto, passeios socráticos. Sejamos felizes, sem precisar abrir mão de nossa liberdade, sem desperdiçar nossa vida.

Não estou fazendo apologia ao pão-durismo, acho que a avareza também é uma forma de escravidão, só que do dinheiro e não do consumo, o que no fim dá no mesmo. Não obstante, sejamos originais, vamos prestar mais atenção às coisas simples e importantes, o consumo de símbolos acaba nos intoxicando. Mujica propõe uma assepsia para alma: o desapego. E se um dia alguém, com o nariz empinado, quiser mostrar alguma superioridade sobre nós, citaremos Mujica: “Eu não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade”.