A DIDÁTICA DO ESQUECIMENTO

“É preciso não esquecer nada:

nem a torneira aberta nem o fogo aceso,

nem o sorriso para os infelizes

nem a oração de cada instante.”

Cecília Meireles

Só quem já esqueceu um compromisso importante vai poder supor a sensação causada. Hoje estou me penitenciando por esse fato. Confesso que deixei passar uma reunião, já algum tempo marcada, com um grupo amigos. Alguns deles ainda estão me censurando, via whatsapp, pelo esquecimento. Na realidade, seria uma espécie de confraternização que fazemos sem frequência definida, para falar coisas banais, do tipo “como o tempo passa rápido”, ou “em nossa juventude as coisas eram melhores” e para comer alguma besteira.

Fico realmente aborrecido, as demandas sociais são tantas que, muitas vezes, não damos prioridade para o essencial, que são nossos relacionamentos humanos. O tempo é um senhor exigente e emburrado que não perdoa distrações. Nossas vidas estão cheias de afazeres, alguns por necessidade, outros por convenção (ou ostentação). Quando damos por conta já é tarde demais.

Acho que esse negócio de agenda é um mecanismo de defesa e tortura ao mesmo tempo. Mas é realmente indispensável que a memória não nos pregue peças. Afinal, a todo momento, somos convocados a cumprir nossa palavra, e de palavra em palavra se esvai nosso vocabulário da vida.

Inventamos tantas obrigações que ficamos reféns de nossas promessas. E, ainda por cima, as velhas e atuais exigências que nos massacram. É preciso lembrar datas de aniversário e números de telefone. É preciso lembrar-se de postar fotos e curtir vídeos. É preciso lembrar-se de horários e programas. É preciso lembrar, sobretudo, que a vida é breve e, às vezes, se esvai na rotina.

Acho que temos, de fato, que aprender com o grande Manoel de Barros, o poeta da singeleza, quando diz: “Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios”. Isso mesmo, temos que aprender a desaprender. Desaprender a acreditar que tempo é dinheiro. Desaprender que só é lembrado quem é visto. Desaprender que vivemos numa época que dá mais valor à imagem que ao sentimento. Esse “desaprendizado” será crucial para todos nós, pois ensinará os princípios que nos faltam. Penso que o principal princípio a ser ensinado seja “a consciência do suficiente”, mas esse talvez demore anos de desaprendizado para compreendê-lo.

Sou um colecionador de relógios, ou melhor, um acumulador dessas maquininhas de contar o tempo. Nem sei em que quantidade os possuo, mas esses dias fiquei me interrogando os motivos desse gosto quase macabro. Cheguei à conclusão fatal, sou um escravo das horas. O pior escravo é o que não tem consciência de sua escravidão, não sei se por isso, por falta de consciência, fui adquirindo mais do que precisava. Talvez seja mesmo insegurança, medo de perder compromissos. A consciência do suficiente é realmente uma lição difícil. Pena que mesmo assim esqueci o encontro com os amigos, agora aguento...