Sexta-feira da paixão – doces
Conforme a tradição, a Semana Santa é uma das melhores e mais bonitas festas. Após o carnaval, as pessoas se voltam para a reflexão e para o aprofundamento religioso. Seja qualquer religião, mas a fé e a maneira de pensar são muito semelhantes.
Existem pessoas que fazem penitências. Umas não comem carnes em algum ou alguns dias das semanas que antecedem a Semana Santa, outras não bebem, outras fazem sacrifício. Até mesmo o sacrifício de comer algo.
Durante a semana antecedente da Semana Santa, existe a semana de Dores, ou seja, é uma semana voltada para a reflexão e o acompanhamento das sete dores de Maria. Paróquias celebram o Setenário de Dores. São orações, cânticos típicos e de muito respeito.
Após isto, inicia-se a Semana Santa. Missas, celebrações, cânticos, banda de música, procissões, vigílias, pregações e outras fazem parte do acervo.
Na Sexta-feira Santa, dia de muito respeito, é o ápice das comemorações. Porém, antes das comemorações, acontecem alguns fatos, coisas vindas de um passado remoto, mas fazem parte das tradições da Semana Santa. Alguns chamam da Sexta-feira Santa de: Dia dos Doces.
É comum caminhar em algumas cidades do interior e sentir um delicioso cheiro de doce, principalmente do doce de leite e o arroz doce. Tradicionalmente, estas guloseimas estão no cardápio mineiro.
Na quinta-feira, dia de lava-pés, algumas famílias se organizam e combinam para irem às fazendas da por perto para buscarem leite. Na sexta-feira santa, muitos produtores não enviam leite para as cooperativas. É tradição e alguns doam leite para as pessoas que ali chegam.
Por volta das quatros horas da madrugada, os grupos fazem a reunião. Vão as pessoas carregando garrafas pet. Geralmente são grupos de quatro ou cinco pessoas. São membros de família. Às vezes, a matriarca do grupo vai à frente. Às vezes ela mesma fica em casa, pois a saúde meio debilitada e a idade um pouco avançada.
Por tradição, cada grupo escolhe uma fazenda para ir. Alguns grupos andam quilômetros de distância, mas vão alegres. Cantam músicas religiosas, rezam e recitam o rosário. Fazem cantorias e sempre glorificam a Deus. Vão, também, alguns cães de estimação e latem com os pássaros. A lua cheia ilumina o caminho por onde vão. Alguns levam lanternas, mas com a tecnologia em alta, tais lanternas são substituídas por aparelhos celulares de alta potência.
A primeira porteira é passada. Iniciam-se as rezas. Algumas crianças vão à frente. Uma delas diz que viu algo incomum a ela, mas a mãe ou a tia diz que foi uma ilusão ótica. A criança concorda, mas não questiona, pois não sabe o certo.
Andando alguns quilômetros, a fazenda é avistada. Cães latem com o grupo ou também estranham os outros cães que ali chegam. O proprietário da fazenda, que já o espera, vai ao encontro do grupo. Muita festa, muita saudação. A matriarca ou a pessoa responsável pelo grupo faz a saudação. Poderá ser uma saudação poética, mas de cunho religioso. Agradece a Deus por ali estar com o grupo. Pede saúde, paz, amor, misericórdia. Em poucas palavras diz:
- “Senhor dono da terra, dono desta abençoada fazenda que produz leite. Somos membros deste humilde grupo de pessoas, que cumprindo o ritual da Semana Santa, viemos aqui pedir um pouco deste leite para fazermos os doces. Faremos o doce de leite e o doce de arroz. Somos gratos por tudo. Se for de sua vontade, teremos nossas vasilhas cheias e que Deus lhe dará em dobro. Fica o nosso convite para passar em nossas casas e saborear um pouco do doce.”
Com estas palavras, o fazendeiro ou o representante vai enchendo os galões das pessoas do leite fresco. Em uma mesa do lado de fora do curral, estão várias garrafas de café, leite, bolo, pão de queijo, roscas, biscoitos e outras quitandas para o grupo comer.
Com o leite nas vasilhas e a barriga cheia, o grupo retorna. Ao sair, dão as mãos e rezam para agradecer pelo presente.
Retornam para a casa. Fazem os doces. Comem e levam para alguns parentes. No início da noite, muitos vão às comemorações da Sexta-feira da Paixão.
Alguém pergunta para uma pessoa:
- A que horas você sairá?
A outra pessoa assim diz:
- Sairei depois dos doces.