AH... OS TEUS OLHOS DE RIO !

"...a carreira múltipla de Ruy Barata, pois além

de letrista (...) também foi poeta, deputado,

jornalista, comunista, dentre outras atividades."

EDILSON MATEUS COSTA DA SILVA (1976/80)

(breve trecho de dissertação / UFPA - Belém)

Desde priscas eras (?!) há no Mundo pessoas especiais, com uma aura incomum, olhadas pelos demais com respeito e admiração, em alguns casos temor... o famosos "Lampião" foi uma delas. A Humanidade sempre necessitou de símbolos, exemplos, modelos, DEUSES, resumindo. E não se trata de um vivente qualquer, êle será sempre o melhor naquilo que faz, no todo que é. Nem mesmo luta, se empenha, procura ser o ídolo que o povo -- ou amigos próximos -- elegeu. Tal qualidade surge naturalmente, com o passar dos anos.

Em meus primeiros dias em Belém, vindo do interior, o poeta José Ildone -- êle próprio um marco em terras vigilengas, ex-prefeito de lá -- me apresentaria à LENDA da Capital, o poeta e compositor Ruy Barata, com um paraensíssimo PARANATINGA pelo meio. Os escritores de Belém, na falta de uma sede para sua associação, a APE, reuniam-se algumas vezes no TWH - Teatro Waldemar Henrique. Ruy pontificava, só não sei se como presidente dela ou pela natural proeminência adquirida. Quando se aproximava, invariavelmente todo de branco, pareciam todos avezinhas de bico aberto aguardando migalhas de seu afeto.

Ruy cruzava sua simplicidade "irritante" por entre o grupo e dirigia-se para o salão vazio, círculo de cadeiras já pronto e à sua espera. Os assuntos tratados eram os mais diversos, todos literários e sobre as dificuldades enfrentadas pela APE, criada pouco antes, em 1986, salvo engano. Creio que tais reuniões se deram por volta de 1989, talvez fins de 1988. Em Belém "rema-se contra a maré" tão comum no meu Rio carioquíssimo, onde qualquer "merda n'água", subindo degrau e meio, já exige seguranças e privilégios. Aqui em Belém sumidades e imponências de vários setores e atividades só faltam ir à padaria pela manhã sem camisa, atitude comum por essas bandas e que abomino.

Em minhas poucas "andanças" literárias tive contato com prefeitos e até com o governador Hélio Gueiros, com o gênio cultural insuperado -- o poeta Paes Loureiro... quem mais ? -- ou com nosso "Cauby ao tucupi" Walter Bandeira (na Rádio CULTURA), além de outro Bandeira, o "Mister Simpatia" Ronaldo, escritor e jornalista dos bons. Todos, absolutamente todos, simplérrimos em suas importâncias, "esnobando" a grandeza lhes "imposta" pelo Destino.

Voltando às reuniões, numa das poucas das quais participei, adentra conosco no teatro rapaz mulato entroncado, forte e com ar de bronco. Eu já o conhecera por acaso, frequentando a Feira de Artesanato da praça em volta do teatro, devido ao meu envolvimento com a Capoeira, naquela época. O sujeito posta-se em pé, atrás de um escritor e põe-se a interromper Ruy Barata, com frases desconexas, tentando "falar difícil". Por detrás dos óculos de grau -- "símbolo" maior dos "ratos de biblioteca" (no bom sentido), me perdoem a expressão -- Ruy pacientemente o admoestava, a elegância em pessoa, parecendo conhecê-lo:

-- "Colombo, por favor...!"

-- "Colombo, nos dê licença"!

De repente, os olhos de Ruy faiscaram, o timbre de voz endureceu e alteou-se e o pacífico poeta "explodiu":

-- "CO-LOM-BO... vá pra puta que o pariu" !

O impertinente escafedeu-se para não mais voltar. A derradeira reunião com Ruy deu-se no famoso Bar do Parque, centenário, 4 ou 5 poetas de peso somente e eu de "bicão" entre êles, passando vexame porque detesto essa "água de roupa suja" a que chamam de cerveja. Bebendo "guaraná" precisei ir ao banheiro, uma "descida ao Inferno", pois ficava no subsolo. Nem os famosos banheiros da Central do Brasil eram tão sujos... velha escada de madeira, no chão, nos "impedia" de molhar os sapatos na lama de xixi e dejetos estagnados ali.

Ruy Barata poderia ser confundido com mero médico do interior ou reles "macumbeiro" fora do Gongá, mas sua distinção era tanta que nos lembrava um Arcanjo (sem asas) curtindo a sombra benfazeja das nossas mangueiras. O tal Colombo "desapareceu" no tempo e no espaço, já o eterno RUY BARATA continua ao nosso lado. Tive a honra de conhecer o POETA, só por isso me sinto mais poeta do que nunca... EVOÉ, mestre Ruy !

"NATO" AZEVEDO (em 9/abril 2020, 8hs)

OBS: o título desta crônica é trecho de belíssima canção de NILSON CHAVES.