AQUELA AULA

Professor João Gabriel era nosso professor de Literatura. Um homem jovial e de porte atlético. Ao contrário dos demais mestres, ele ia para escola de bicicleta e isso, por algum motivo, me aproximava dele, fazia com que fosse superada a fronteira que nos distanciava da gravidade docente.

Numa manhã, ele estava a escrever na lousa a linda letra de Romaria: “O meu pai foi peão/minha mãe, solidão...”

Nesse momento, emendei do fundo da sala, em voz alta, a rima mais absurda que na cabeça de um menino poderia brotar “Minha vó sapatão!”

O professor interrompeu a escrita na lousa, olhou para mim. Sei que ele poderia me advertir, sei que tinha autoridade para me repreender como quisesse. Acaso se me expulsasse da sala, não seria nenhum desvio hierárquico, diante do acinte. Podia, é certo, convocar minha mãe e dizer que cometi um insulto em sua aula.

Contudo ele me fitou, assim como olhamos para um animalzinho abandonado e temos vontade de alimentá-lo. Ele pousou seus olhos em mim e de seus lábios escapou um pequeno sorriso, suficiente para carregar um sonho. Naquela aula, ele me ensinou o que é a poesia. A poesia é um jeito de amar os outros, mesmo com suas limitações.