NÃO HÁ TERRA...
Sei que não é o momento, sei que tempo é de sinais e alertas, mas a saudade não bate na porta, ela invade, arromba cadeados e razões. Esta manhã ela chegou ardida e veio se instalando. Em vão, tentei ignorá-la, como uma visita sozinha no sofá da sala. Inútil. Ela é sim o revés de um parto, como diz o Chico, mas a saudade de uma mãe que se foi é ainda um parto invertido, o filho é que expele seu feto de tristeza, gera sua lágrima de dor, com a diferença brutal de que não há vida nesse nascimento, há só um luto incômodo e incessante.
Para mim, ainda a melhor definição é de meu escritor favorito, o moçambicano Mia Couto, que escreveu que “não há terra suficiente para enterrar uma mãe”. Não, não há. Toda terra do mundo é nada, não as enterramos, elas continuam vivas e caladas em cada canto de nosso ser. Sepultamos cada lembrança que se apaga, sim, pois nosso cérebro é um órgão controlador e metódico, que fica a organizar as prateleiras e, às vezes, se livra daquilo que estimamos. Não, realmente não há terra suficiente para enterrar uma mãe. Há só os dias, que vamos amontoando na esperança de soterrar nossas tristezas.