Um pouco de mim
Não está acontecendo nada demais comigo; só estou envelhecendo e seguindo o curso da história. Dias, falante feito papagaio de pirata depois de uma bicada de run; outros, muda que nem cigarra fêmea – que ironia da natureza, uma fêmea calada! - E, em alguns casos, a chatice é sinônimo de bom dia.
Fico indigesta, provocando reações; estufada de tanto pegar ar; sem imunidade para a paciência; com a racionalidade reduzida; e a língua afiada que nem faca para gado de corte. Também têm os momentos lúdicos, aqueles que transformo o fardo em poesia; as mágoas em alegria; a dor em fábula e a raiva em amor.
Não tenho problemas com o espelho, nunca gostei de maquiagem, malmente, um batom, que é para dar um tom aos lábios carnudos. Nasci com a tez do rosto rosada, e quando fico sem graça, ela fica mais corada. Tudo bem simples, natural; mas tenho uma vaidade exacerbada. Coleciono perfumes importados, principalmente, os franceses e italianos.
Considero-me infiel quando se trata das fragrâncias; amo o Sí, Amor Amor, CH tradicional, miss dior, the one, good girl, J”dore, flower by Kenzo, armani code, bvlgari , nina femme, Chanel 5, coco Chanel modemoiselle e euphoria da Calvin Klein(sou apaixonada pelos três últimos). Mas se fosse para escolher um, ficaria entre a cruz e a espada; morreria como adúltera inveterada.
No mais, sou devota dos sociólogos e filósofos; passo um tempo com eles. Namoro Nietzsche, Platão, Kant, Descartes, Maquiavel, Sartre, Aristoteles e Voltaire; tenho um ranca-rabo com Foulcault; admiro Leonardo Boff; e casei com Bauman. O melhor de todos! Amor líquido é meu livro de cabeceira. Desde pequena tinha uma mente envelhecida, voltada para a razão e comportamento social.
Claro, que amo os romancistas, ensaístas, escritores em geral e poetas; pois neles encontro o melhor de mim. A exemplo de Jorge Amado, Milton Santos, Machado de Assis, Mário Quintana, Cora Coralina, Guimarães Rosa, Euclides da Cunha, Clarice Lispector, João Ubaldo Ribeiro, Cecília Meireles, Castro Alves, Ariano Suassuna, Rachel de Queirós, Carolina de Jesus, Fernando Sabino, dentre outros. Rebelde com causa, ativista das causas sociais, inconformada com a história mentirosa do des(cobrimento) do Brasil. Imagine, o envelhecer de uma pessoa assim: complicado! Aguerrida por natureza, meu sangue verte inquietação e complexidade; penso além da normalidade.
O conhecimento acadêmico fascina-me, bem como o senso comum, em um dado momento, a verdade encontra o seu equilíbrio. Nada em mim é especial, só a fome ávida pelo conhecimento. E, ficar em casa não está em meu planos. Não combino com a rotina, nem com uma vida perfeita; que pena! De vez em quando, um coração é partido; e daí? Já estou tatuada com os remendos; nada mais assusta-me.
Só essa pandemia! Que é um recorte da liberdade condicional e prisão domiciliar. Enquanto as rugas começam a maltratar o meu rosto, os cabelos brancos surgem, timidamente, feito erva daninha. Está pensando que para por aí? Não! Perdi os meus olhos para a hipermetropia e o astigmatismo, embora moderado.
Como não ficar rabugenta com a lei da gravidade? Algumas coisas estão inclinando-se, e pelo andar da carruagem, o bungee jumping será um esporte forçado. Se tivesse feito psicologia não estaria sem respostas, mas fui dedicar-me às ciências sociais, olha só no que deu! Tornei-me contadora de histórias; administradora de dúvidas; especialista em gestão pública das mazelas privadas e mestranda em estudos étnicos e africanos do povo baiano. É mole?
E, se não bastasse, exerço uma profissão perigo. Nada a ver comigo. Acho, que é castigo. Deixarei este trecho por conta da imaginação. Não posso reclamar da minha audição, ela é perfeita! Em relação a música sou uma caixinha de surpresas; tenho um gosto eclético, mas para músicas com letras sensíveis. Não importa se é baião, seresta, forró, hip hop, romântica, eletrônica, MPB, reggae e axé; tem que ter melodia e sintonia com o meu interior. Não ouço lixo do tipo: apologia ao crime, promiscuidade, drogas, sexo, palavrões e deterioração da imagem feminina.
Não gosto de ouvir dadaísmo com sexo dos anjos, tampouco, latidos e granidos de um péssimo cantor. A sensualidade deve estar presente, assim como a explosão de emoção. São essas coisas que amenizam a minha esclerose precoce. Outra coisa que acaba com os infortúnios da síndrome da somatização de experiência, velhice iniciada, é o chocolate. Sou chocólatra compulsiva, confesso! Ah, já ia me esquecendo, sou viciada na rede de televisão, com exceção das novelas, programas sensacionalistas e cultura inútil. O resto vale!