CORONA E CARONA: ONDE A EMPATIA?

The Context of Magritte
 
   Precisei sair de casa, este ato implica o uso de máscara segundo recomendações atuais da OMS, referente à Pandemia do Covid-19. Detesto usar máscara, creio que ninguém gosta, tampouco os profissionais da saúde. Acho difícil uma enfermeira acordar e levantar de manhã dizendo: "Obá! não vejo a hora de colocar uma máscara novinha e quentinha! Sentir aquele cheiro de esterilização". Ademais, no passado, precisei andar de máscara por conta de uma questão e acredito que não ficava mais do que 10 minutos usando. Assim, coloquei minha velha máscara de guerra para adentrar o espaço geográfico fora da minha casa, ainda mais que o meu destino era uma obra que infelizmente fervilha pessoas, gente, trabalhadores. Quando usei máscara pela primeira vez na rua, senti tanta vergonha como se estivesse sem roupa, pelado. Hoje de manhã, mesmo diversas pessoas de todas as idades usando, fiquei constrangido ao usar aquela coisa azulada tapando minha boca e nariz como se eu fosse um espião. Então, ao caminhar usando máscara passei por três pessoas: dois homens e uma mulher. Quando me viram, um dos homens disse:

— Que bobagem! Essa gente toda que fica usando máscara na rua. É só pra botar quem está doente!

     O outro homem balanço a cabeça em sinal de concordância. No entanto, a mulher que estava com eles retrucou:

— Mesmo assim, é bom todo mundo usar.

    O homem que soltou o primeiro comentário de imediato disparou:

— É né, você já é “doente”, então tem que usar mesmo.

     Os homens riram feito hienas, a mulher também riu, mas de constrangimento. Ela sabia que seu argumento não ganharia da incompreensão daqueles dois homens. Além disso, continuei andando de máscara, ela estava apertada no meu rosto e aquilo me incomodava. Fora o fato de que estava tão quente, o sol tinindo, e eu transpirava na região da boca desconfortavelmente. Apogeu.

   Não muito distante do primeiro ato-acontecimento que acabei de descrever nessa crônica, a cerca de 5 metros de mim, duas mulheres e uma criança caminham em minha direção. Quanto mais nos aproximávamos, mais o rosto daquelas mulheres ficava enfezado. Talvez o fato de uma pessoa usando máscara perto delas passasse a impressão como se as próprias mulheres fossem o vírus do Covid-19 personificado em formas humanas. A minha máscara passava a impressão de que o perigo eram aquelas mulheres, e não eu, e não nós. Quando o meu olhar com os olhares daquelas senhoras se batera, uma delas brava afirmou categoricamente:


— É bom que esteja doente mesmo e usando máscara, menos um na terra!

    A outra mulher que estava com ela ouviu o comentário e ficou surpresa com a declaração, o seu rosto que a princípio estava enfezado passou rapidamente para o estado de constrangimento. Acredito que ela achou a declaração de sua companheira pesada, desnecessária, e na pior das hipóteses, desumana. Assim, segui o meu caminho, fingi que o comentário não me abalou, e sendo sincero, não tive muita dificuldade em fazer isso. Cheguei no local da obra e resolvi as pendências que precisam ser agilizadas naquela manhã. Na volta para casa, cheguei ao nível de sufoco extremo e retirei a máscara. Voltei pelo mesmo caminho e não é que reencontro uma das mulheres do segundo ato-acontecimento descrito nessa crônica? E advinha, era justamente a mulher que soltou o infame comentário. Rapidamente pensei em colocar a máscara para provocar, revidar, retrucar tamanha hostilidade daquele ser humano tão não iluminado que novamente se aproximava de mim feito fumaça. Outrossim, desistir da suposta vingança quando olhei a expressão facial daquela cidadã. Senti pena. Já é difícil o autoconhecimento, ou seja, eu me conhecer internamente e inteiramente por dentro, imagine isso com os meus semelhantes? A gente nunca sabe inteiramente o que acontece na vida dos outros, dentro do “eu” das pessoas ao nosso redor. As dores, vivências, delicias e caretas das pessoas são um mistério. Assim, passei por aquela mulher com a cabeça erguida, sem reação de superioridade ou vingança. Passei pela aquela outra vida humana e feminina sem esboçar reações aparentes, fingindo que nunca tinha a visto antes e que não acontecera aquela situação tão desagradável de horas atrás. Portanto, nesse momento de isolamento social, de informação e desinformação, do sensacionalismo, de ocultamento de uns e supervalorização de outros dados, de incompreensão, medo, receio e notícias, por mais que a ignorância reine na mente de muitos, não podemos deixar que em contrapartida, as nossas reações sejam também de ignorância e tampouco de DESUMANIDADE!

 
Nilo Rodrigues
Enviado por Nilo Rodrigues em 08/04/2020
Reeditado em 15/10/2020
Código do texto: T6910398
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