A MULHER QUE NÃO PERDEU O ESPANTO
Saio da exposição de Frida Kahlo como uma criança que acabou de descobrir o mar, com todas suas volúpias e encantamentos. A artista mexicana tinha fome de paixão, vivia intensamente a beleza e a dor. Sua obra é o reflexo mais genuíno de seu ser, nela não há simetria, há desejo e uma suposta ludicidade envolvente.
Fico encantado pelas cores e tudo que provocam, impossível não ser capturado por aqueles traços, mesmo não sendo um grande apreciador. Percebo como as pessoas se entreolham, num misto de susto e deslumbramento. O grupo de senhoras, que estava próximo à janela, repete, como que de forma ensaiada, um sorriso amarelo e acanhado a cada revelação biográfica que nos é narrada pelo guia da exposição. Um jovem casal, com jeito de turista americano, parece trocar gracejos que não compreendo, mas todos ficamos imersos naqueles momentos de descoberta de um mundo tão diferente do nosso.
Frida teve um casamento tempestuoso com Diego Rivera, incluindo acidentes, abortos espontâneos e tentativas de suicídio. Apesar disso, Diego sempre foi o homem de sua vida, a paixão que a movia. Após idas e vindas, como contou nosso guia, ela constrói uma casa, idêntica, ao lado da casa do marido, ligada por uma ponte, e assim viviam encontrando-se de madrugada, ora na casa dele, ora na dela.
A história ainda me encanta mais que o próprio trabalho da artista. Imagino os encontros amorosos de Diego e Frida, presumo todo sofrimento por não conseguir ser mãe, por não se enquadrar nos padrões da sociedade conservadora da época, mas invejo Frida, não só pelo talento que demonstrava em suas pinturas, ou pela ousadia de ser ela mesma, mas, sobretudo, pelo fato de não desistir de um amor, de lutar por um sonho e seguir sempre adiante, apesar de tantos percalços.
A pintora de gênio indomável nos ensinou, mesmo sem querer, que há tantas pontes a se construir na vida de todos nós. Que as façamos com a sutileza de um artista, os olhos de um turista e com a perseverança de um sobrevivente. Em um mundo de tantas barreiras que nos segregam, que nos distanciam, que as pessoas não se esqueçam de que as pontes servem para unir, por mais óbvio que isso pareça, sejam elas físicas, emocionais, psicológicas ou culturais.
Volto para casa atemorizado, ainda com dificuldade de retornar a mim, de ser tão somente eu. Frida pulsa em meu ser, com sua intensidade leve e tóxica, ao mesmo tempo. Com sua incessante sede de assombro. Acho, mesmo, que a arte tem dessas coisas, é um chacoalhão agradável em nossa alma. A realidade, às vezes, perde a capacidade de nos espantar, torna nosso cotidiano cartesiano e pragmático. Frida nunca perdeu o espanto. Quando, devido a uma gangrena, teve a perna amputada, revelou em seu diário “Pés, para que os quero se tenho asas para voar”.