A TRANQUILIDADE DE SER INÚTIL
Não sou nenhum crítico do chamado “amor à primeira vista”, mas concordo plenamente com o padre Fábio quando diz que “só nos ama, só vai ficar até o fim, aquele que, depois da nossa utilidade, descobrir nosso significado”. Com toda sua sensibilidade, acho que ele conseguiu, a exemplo de Camões, em seu soneto, e de Paulo, em sua carta, trazer à luz o real sentido da palavra amor. Em uma sociedade de tanto superficialismo e que os valores foram reduzidos a contratos sociais, acho que precisamos refletir mais sobre isso.
Realmente só descobrimos o significado das pessoas, quando essas não podem nos oferecer nada, além de sua doce companhia, o que pra mim já representa muita coisa. A velhice é a fase mais reveladora da vida, permite que sejamos nós mesmos, nos livramos um pouco das máscaras sociais e, o melhor, ela nos faz enxergar quem nos ama de verdade. Isso pode acontecer também em momentos difíceis, como uma doença ou falência. Há, é certo, quem prefira não perceber isso, aqueles que acreditam que o dinheiro pode comprar tudo, até amor verdadeiro, como disse, ironicamente, Nelson Rodrigues. Dinheiro abre caminho, compra companhia, mas não compra amizade. Compra sexo, não compra amor. Agora um bom plano de saúde, esse só o dinheiro mesmo, porque a doença sempre nos bate à porta, mas vá lá...
Exemplos disso não nos faltam, gente que foi rica e rodeada de “amigos”, perdeu tudo e morreu em total solidão. Isso parece até óbvio, mas a juventude, o dinheiro, a beleza inebriam a mente e, por vezes, nos tornam cegos. Mas há também belos casos de pessoas que só descobriram o quanto realmente amavam alguém, quando esta perdeu a mobilidade, por exemplo, em um acidente ou algo do gênero, chegando a ponto de se anularem para exercerem, em alto grau, seu amor.
Vejo amigos que cuidam, com amor, de seus pais com Alzheimer. Percebo o significado dessas pessoas que perderam sua utilidade, mas que não perderam sua importância. A entrega incondicional, a renúncia a noites de agito com amigos, a vigília que reduz drasticamente as horas de sono, o amor no seu sentido mais puro. Aqueles que viraram as costas, sobretudo filhos, não sabem o que é esse amor. Talvez tenham algum sentimento menor, não se pode negar, tampouco julgar, mas amor é para os grandes de espírito.
Recordo de um livro que li há algum tempo, em que se descreve um mundo aparentemente ideal, onde, supostamente, não existe sofrimento, então ao chegar a certa idade as pessoas recebem uma “dispensa”, ou seja, são eliminadas, sem dor nem fila no SUS. Isso, na história, acontece como uma coisa festiva e programada. Penso que há pessoas que nasceram para viver nessa sociedade, descrita no livro, porque esquecem que a velhice é a fase da vida em que mais precisamos do amor dos outros e que nosso valor vai muito além de nossa funcionalidade.
Quando penso como será minha velhice, fico um tanto quanto preocupado, sem filhos e num mundo onde as pessoas são cada vez mais descartáveis, peço a Deus que me dê algum conforto e que a dignidade não me falte, mas, principalmente, como disse o padre, que Deus coloque em meu caminho “aquelas pessoas que possam me proporcionar a tranquilidade de ser inútil”, porque inútil mesmo é a vida de quem não sabe amar.