O Bichinho Esquisito Chegou


Hoje ela amanheceu não menos bela, porém, fechada, acabrunhada.
O dia claro, com temperatura amena, resolveu colaborar com seu retiro.
Ônibus não circularam, pessoas se trancaram, as praias, onde a natureza foi de uma generosidade ímpar, estão vazias, limpas, sem pegadas. O mar lavou as marcas das pisadas dos humanos, a maresia levou os cheiros e os resquícios dos predadores mais atrozes.
As pessoas estão mergulhadas para dentro, as sereias se retiraram, os tritões se esconderam nas profundezas e, se os peixes tiverem um mínimo de instinto de sobrevivência, se esconderão também.
Então vivemos querendo parar o tempo e agora, gostaríamos de apressá-lo para que tudo passe logo. Há tanta coisa a ser feita nas ruas!
O que mesmo?
O macro lá de fora me assusta também, às vezes, mas é tão difícil focar em coisas pequenas!
O dia a dia da reclusão que nos passa normalmente despercebido, agora toma proporções ciclópicas, o silêncio nos deixa temerosos de que algumas coisas estão acontecendo sem a gente saber.
O whatsApp nos informa e desinforma em tempo integral, até o auge da exaustão. Todo mundo manda recado, todo mundo reza, todos, uns querendo ser mais bem informados, politizados e religiosos que os outros.
De vez em quando acabo me indispondo com alguém, mas depois percebo que não vale a pena.
Mas comecei toda essa ladainha para falar da minha cidade, a mais linda e generosa de todas. Agora, praticamente deserta, fechada para entradas e aberta apenas para saídas. Seu famoso vento sul resolveu dar as caras para ajudar a renovar os ares e anda por aí assobiando aquela melodia que a gente não gosta muito, contudo, exatamente hoje, ele é bem-vindo. Ele é barulheiro e parece nos dizer que há vida lá fora, que está varrendo tudo e limpando como um faxineiro compulsivo para que possamos sair de novo ao sol que virá em seguida.
Somos a terra de sol, mar e vento sul. Todos querem conhecer esse pedaço do paraíso rodeado de água. Tudo tão bonito, luminoso e colorido que o vírus quis também vir e ficar com tudo para ele. Mandou todos os turistas embora sem nem querer saber se precisamos deles ou não e muita gente precisa. Mandou todos os que aqui moram, se esconderem, caso contrário ele castiga e a punição é um martírio que ninguém quer suportar.
Então ficamos assim, olhando pela janela as belezas ao longe, sem termos acesso a elas, procurando o que fazer para dar um nó no tempo, esperando que o bichinho esquisito que chegou vindo do outro lado do mundo, se vá para nunca mais voltar, como num filme de suspense, quando as pessoas se escondem para não serem vistas nem encontradas pelo assassino, como se Freddy Krueger estivesse lá fora à espreita.
Roseli Schutel
Enviado por Roseli Schutel em 07/04/2020
Reeditado em 17/08/2020
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