Reflexões de dentro do buraco negro
Estranha esta mania de pensar e escrever por metáforas (aviso aos navegantes: venho de leituras de Pascal e Camus e tenho achado tudo muito estranho e absurdo – principalmente o mundo e os humanos trancados em suas casas esperando o vírus passar) mas os buracos negros, o mais inóspito dos lugares para se estar, aguça a imaginação.
É mais ou menos assim, antes a situação do nosso mundo já era precária, navegávamos na fronteira do horizonte de eventos, nas bordas do buraco, e aí chegou o vírus, deu um empurrãozinho e despencamos. Qual a nossa sensação de dentro de um buraco negro? Difícil descrever. É coisa nova, achávamos que jamais fosse acontecer conosco, imagine, cair num buraco negro ... mas aconteceu.
Tudo fica em rotação, ficamos tontos, o tempo para e o chão desaparece. Dá um medinho e parece que voltamos ao caos inicial, o Deus Caos, caindo em trevas sem fim.
Por que nossa situação era tão precária antes da queda se a ciência evoluiu tanto, ao ponto de chegamos a conhecer, daqui da minúscula terra, um horizonte de eventos, uma ergosfera, um disco de acreação, uma singularidade, estas coisas complicadíssimas de buracos negros que acontecem lá perto do infinito? Não fecha.
Como pode a ciência evoluir tanto em todas as áreas e nosso mundinho andar tão enfermo? Não era para estarmos vivendo, com tanta tecnologia, como os The Jetsons (como era bom nosso futuro antes, as utopias...) todos felizes, alegres, as máquinas trabalhando por nós?
Vamos continuar refletindo de dentro do buraco negro, afinal há pouco o que se fazer neste lugar oscuro, como diria Dante.
Filosofia. O que aconteceu com as maravilhas pensadas desde os sete sábios da Grécia, passando por Platão, Aristóteles...uma lista sem fim? Que começo promissor! Tanta capacidade especulativa, tanta metafísica, conhecimento, sociedades generosas imaginadas por gênios, parecia tudo dominado, a história, o porvir, e não deu em nada? Ou melhor, deu neste buraco?
Passemos para a política. Que início alvissareiro na Grécia antiga!!com Péricles, Epaminondas, Temístocles...Se um disco voador com extraterrestres sábios - não aqueles débeis mentais dos filmes americanos - pousasse numa Ágora em Atenas, eles iriam ficar impressionadíssimos com o berço da civilização. Diriam: “se estes terráqueos dominam desde cedo a mais difícil das artes, a política, que futuro grandiosos os aguarda”. Se estes mesmos seres voltassem 2000 anos depois por curiosidade, e se deparassem com Bolsonaro, Trump e que tais? “Em que encruzilhada este povo se perdeu?” diriam, em linguagem estranha, antes de desaparecerem no cosmos, decepcionados.
E as religiões, meu Deus? Todas elas não vacinaram os humanos da gripe do egoísmo e não despejaram no mundo doses maciças de amor, solidariedade? O amor universal, o Ágape, que coisa linda! E o Sermão da Montanha? Era só seguir e abraçar o Reino na Terra. Mas não, palavras ao vento, ou não leram, ou não entenderam ou entenderam e não praticaram, pior, fizeram o contrário. Arrancaram os lírios do campo e adoraram o Deus Mamon, do dinheiro.
Agora, sejamos francos. Não foi por falta de aviso, cavamos nossos próprios buracos conscientes de tudo, da queda iminente. Questão de tempo. E ficamos sentados na praça à Espera dos Bárbaros. E eles chegaram.
Há anos ouvimos que a tal razão instrumental, engalfinhada entre meios e fins é perversa, não dá futuro. Que descartamos a outra razão, a cordial, do amor, dos afetos, do cuidado.
Ouvimos há anos que estamos fazendo um grande mal para a nossa casinha comum e azul flutuando neste cosmos sem fim. Não só ouvimos, vimos com nossos próprios e desgostosos olhos as barbaridades. Aquelas montanhas de plástico nos oceanos, as matas queimadas, os rios sujos, o lençol freático feito esgoto. E o ar? Nem pensar...
Fizemos ouvidos moucos para o aviso “o capitalismo não é confiável para erigir civilizações, muitos irão ficar de fora”. A natureza ficou de fora, bilhões ficaram de fora, os miseráveis desde o começo estavam no cálculo. O capitalismo financeiro pelo menos não promete nada, “dinheiro fazendo dinheiro para nós e tchau”.
Por tudo isto ando desanimado. Como Diógenes, o cínico, estou com uma lanterna na mão à procura de um homem altruísta e sábio que emane alguma luz, precisamos de luz, mais luz, (Goethe), neste buraco negro. Chego a pensar pensamentos muito escuros, e a frase de Kant não sai da minha cabeça “insociável sociabilidade”. E se nós seres humanos não fomos mesmo feitos para o coletivo, para viver em sociedade?
E se constatarmos que, ao final e ao cabo, o egoísmo saiu vencedor de todas as batalhas que travamos pela história, sejam as internas e as externas? Tentamos mas não conquistamos um sentido comum.
Freud em uma de suas últimas entrevistas revelou a predominância de Tanatos sobre Eros. E profetizou a auto extinção da humanidade.
Virgílio levou o perdido Dante ao Inferno, para ele acertar o prumo. E nós, presos neste buraco negro infernal não vamos aprender nada?