Sobrevivendo ao confinamento
Nunca sabemos o quanto uma situação é difícil até passarmos por ela. Quando começamos a ouvir sobre o coronavírus na China e depois sobre como esse maldito vírus foi se espalhando pelo mundo, tudo pareceu muito surreal, como se estivéssemos vendo um pesadelo ao vivo. Porém, logo tivemos de admitir que não era um pesadelo, mas uma tragédia muito real que provavelmente logo afetaria a todos nós. E não demorou a que nós nos víssemos obrigados a entrar numa quarentena que tem sido uma verdadeira batalha diária.
O que fazer para não morrer de tédio nesses dias mergulhados numa eterna mesmice? Precisamos sentir (é uma necessidade básica nossa) que nossa vida não passa em vão, que temos um objetivo, algo pelo que lutar e nos dê esperanças. Tenho feito o possível. Retomei o estudo do meu livro de inglês, voltei a estudar outras línguas, estou lendo bastante e escrevendo. Não é fácil. Creio que muitas pessoas estão se sentindo terrivelmente estressadas nestes tempos que não são fáceis para ninguém e mostram que, em tempos de crise, somos todos iguais e vulneráveis às desgraças como doenças e desastres naturais. Ninguém está isolado dos problemas do mundo por uma redoma.
Limpar a casa e organizar algumas coisas que as obrigações rotineiras nos fizeram deixar de lado também parece uma boa ideia. Você pode aproveitar para fazer uma faxina, livrar-se de objetos velhos, transcrever manuscritos para se livrar de tanto papel e assim sentir que a quarentena vai servir para que você resolva os problemas que antes não tinha tempo por causa do trabalho e compromissos sociais. Óbvio que isso não torna nada mais fácil, principalmente quando temos de conviver com pessoas desagradáveis 24 horas por dia. Entretanto, se não há saída, tudo que nos resta é exercitar a paciência e a tolerância.
Ocorreram-me até umas boas ideias de leitura: A máscara da morte rubra, o Decameron e O diário de Anne Frank. Todas essas histórias falam de confinamento e luta pela vida em tempos difíceis. O primeiro, um magnífico conto de Edgar Allan Poe, fala sobre uma morte vermelha que está assombrando uma região e um príncipe que se confina no seu palácio para escapar da praga. O segundo, uma deliciosa narrativa de Boccacio, passa-se na época da Peste Negra e nela, dez jovens, tentando escapar da praga, refugiam-se numa área e, para escapar ao tédio, contam histórias para passar o tempo. O diário de Anne Frank destoa dos outros por não falar de doenças, mas de guerra. Porém, serve bastante como leitura nesta quarentena, especialmente por falar de confinamento e de como é difícil pessoas tão diferentes terem de conviver em recinto fechado por longo tempo.
Enfim, estamos vivendo uma situação que tem levado muitas vidas, mudado nossas perspectivas, planos e crenças. Quem sobreviver a tudo isso nunca mais será a mesma pessoa. Eu sei que, se sobreviver, mudarei para sempre.