CRÔNICA – A solidão que mata – 05.04.2020 (PRL)
Há muito não faço uma crônica!
Mas veja bem. Estou sozinho numa casa que cabe uma família inteira. Não acho canto, as opções são muitas, mas sem uma companheira por perto não vejo graça, e o juízo rebola loucamente. Escrevo poemas, artigos, cordéis, etc.; pinto telas a óleo/acrílico; vejo televisão, até filmes já repetidos inúmeras vezes; não tenho WhatsApp, até por que minha velha quando viu umas senhoras entrando no meu celular – ela que nunca teve ciúmes! – me pediu pra desistir desse serviço, e eu o fiz; não bebo coisa alguma que contenha álcool, e nem fumo. Até penso que estou me tornando um santo.
A minha linda, que está sofrendo do mal de “Alzheimer”, por força das circunstâncias, teve de ir para a casa das filhas, em Aracaju, cidade ainda quase pacata, capital de Sergipe. O meu pensamento anda lá e cá. Os compêndios falam que esse sofrimento pode levar de quatro a oito anos, não havendo praticamente remédio e nem cura, e isso me entristeceu ainda mais profundamente, porquanto até então eu não acreditava que ela tão jovem pudesse albergar essa avassaladora doença. Os meninos, que residem aqui no Recife, já me disseram que não poderão vir me ver, porquanto o risco de trazerem ou levar esse Coronavírus é imenso. Aliás, hoje me passaram e-mails perguntando se estava precisando dalguma coisa. Respondi-lhes que vai tudo bem, faltando apenas um caixão para enterrar de vez um sujeito de risco.
Mas agora, ciente do perigo que ronda minha mulher, fiquei arrasado, porquanto nem sequer posso ir vê-la, em face das proibições que os governos nos impuseram de ir às ruas. Onde o coração dos nossos dirigentes?! Será que eles têm saudade de alguém, ou são duros como pedras brutas e intratáveis! E essa tristeza chegou ao cume quando remexendo um álbum antigo dei de cara com uma foto do nosso casamento, justamente na ocasião em que nela colocava a aliança em seu anular esquerdo...
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Sim, ia me esquecendo. Há duas diaristas vindo ao meu apartamento para serviços essenciais. São R$ 110,00 reais por dia, de oito horas, um preço salgado, mas tem de ser assim. Afinal, o governo com essa exigência de carteira assinada e encargos sociais elevados levou a que muitas ajudantes fossem demitidas e começassem a trabalhar por conta própria, cobrando diárias. Assinar carteira hoje em dia é muito pior do que se ter de criar um filho, nosso sangue, porque o vínculo empregatício só traz complicações. O ideal seria que as despesas de encargos fossem incluídas no ordenado, e o freguês recolhesse, por si mesmo, essas contribuições. Até mesmo porque entrar na internet para fazer tais recolhimentos é uma verdadeira maratona.
As duas daqui trabalham duas vezes por semana, cobrindo assim quatro dias em cada período (RS 440,00), tendo eu que me virar nos dias restantes. Mas o engraçado da história é que não sabem fazer sequer um macarrão, um bife ou mesmo um guisado, e até uma galinha bem suculenta, claro, dentro do regime que me é imposto pelos meus doutores. Não comem sardinha, por exemplo, nem charque, nem miúdo, mas adoram peito de frango e minha carne maciça, que a minha mulher comprava quando aqui estava. Enfim, nada criam, um arroz doce, um cuscuz, tapioca, o mínimo do mínimo, e vejam que não são mais meninas.
Noutro dia, uma dessas auxiliares mostrou muita competência, e isso me iludiu a ponto de assinar sua carteira profissional, cumprindo todos os meus deveres de “patrão”. Mas ela, todavia, mudou completamente, passando a chegar muto atrasada e a fazer as coisas com certo desprezo, batendo panelas, colocando o volume do seu rádio bem alto, assim como decidindo como se a dona da casa fosse, tudo isso para ser demitida, receber aviso prévio, férias, multa de fundo de garantia, etc., etc., etc. Isso me saiu muito caro e, dali em diante, jamais registrarei qualquer funcionário em minha vida.
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Sobre escrever, apenas me utilizo do Recanto das Letras. Até meu blog suspendi e cancelei. Ultimamente ando em baixa, mas minha escrivaninha já teve muitos leitores, havendo um texto com mais de cinquenta mil visitas. Cheguei a imaginar que estava no auge, enchi-me de orgulho, por que não o dizer? Entretanto, pude entender que se tratava de meros transeuntes virtuais – salvo alguns amigos, poucos --, que esporadicamente passavam na sala para, naquele é dando que se recebe, aumentar seus números, suas estatísticas.
Cheguei a visitar publicações de novos autores, dez por dia, tanto para prestigiar como para variar um pouco a roleta que gira, gira, roda e só binga no mesmo lugar de sempre. Entretanto, essas visitas não surtiram os efeitos desejados, porquanto quase ninguém se arriscou em compartilhar com as minhas produções.
Estou de malas prontas para me licenciar do site. Tenho ainda uns 15 a 20 trabalhos não publicados, mas vou fazê-lo e, depois, dar um destino diferente aos meus planos.
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SONETO – Não pode ser castigo! – 02.04.2020
Minha linda, deixe que eu vá primeiro!
Revendo a foto do feliz momento,
Em que pus a aliança no teu dedo,
Confesso dessa vez eu tive medo,
Do termo desse nosso juramento...
Tua doença, que veio em supetão,
E se apossou veloz e devorante,
Nem sequer nos fornece atenuante,
Que possa consolar meu coração...
És mulher fiel e de Deus uma serva,
Sempre fizeste o bem, não só na prece,
Mas nesse orar tua fé te preserva...
E sem sentires que ronda o perigo,
Não se vislumbra aqui seja castigo,
Que tu sofres e tanto te engrandece.
SilvaGusmão
Foto: Arquivo pessoal