O varal



Entre os muitos afazeres de uma casa estão a lavagem de roupas e por conseqüência a secagem. Foi o que fiz hoje ao chegar em casa depois de um dia de trabalho fora.

Encaminhei-me para a máquina de lavar, apertei o botão para enchê-la de água. Quando começou a bater, parei o movimento e coloquei o sabão em pó e deixei que batesse para misturá-lo. Selecionei as roupas que iriam primeiro e ...zás! apertei o botão e larguei lá. Afinal a máquina lava sozinha. Bateu por algum tempo e parou. De quando em quando escutava um rrrrr. ( raiva, rabugice...será que a máquina falava?). Ela estava se movimentando dizendo-me que o “tempo do molho está acabando”. Ela realmente fez o molho, bateu, jogou a água fora, centrifugou, encheu de novo, bateu, jogou, centrifugou e parou.
Hora que eu deveria retirar a roupa de lá e pendurar para secar. Foi o que fui fazer. Desci o varal, e comecei a retirada da roupa e, fiquei olhando aqueles fios lá no alto ainda pareciam tão frágeis, simples, inseguros. Pareciam que diziam estou muito fraquinho, preciso de cuidado, não vou agüentar esse peso todo! Fiquei com dó do coitadinho!

Enfim a roupa precisava ser pendurada com dó ou sem dó e não tive alternativa senão colocar as roupas molhadas nele. São dez fios de cordões brancos e, os que puxam e levantam já estão gastos pedindo reparos urgentes.

E, comecei o exercício de colocar a roupa no varal, pois já havia deixado as panelas no fogão adiantando “o meu lado”, porque a fome já estava ronronando no meu estômago, marido ia chegar, filho ia chegar, neto...enfim muitos estômagos para serem satisfeitos e ronronadores.

A cada peça que esticava no varal parecia que ele se esticava de dor, reclamava: está me puxando muito! Enchi o varal. Enorme!!! Dez varais de um metro se forem...Enorme, não é? Não zombem é enorme, sim! Para mim é. Eu tive que me esticar inteira, ficar na ponta dos pés, puxar, esticar...Um “tremendo de um sacrifício!”

Imaginem, só! Ele não agüentou o peso e depois de tudo o que o fiz....despencou. Bateu com violência na máquina mas, antes... na minha cabeça.
Ai que dor! Que vontade de xingar, que não ficou na vontade. .Xinguei, chutei, briguei e chorei...Não tudo de novo, não!

Como não resolvem chutes,, choros, pontapés, pois os pés é que sofrem mais, consertei-o. E fiz tudo de novo.

Só que o fato me trouxe uma visão, lógico, depois que eu estava calma, de olhos secos, e a mesa servida aos famintos chegantes.

Ele estava como eu, por um triz para romper. O stress diário me deixa como o varal, frágil, com as cerdas a romper e, num piscar de olhos mais fortes ou que eu imagine forte, rompe-se e a fragilidade vem à tona.

Pobre varal que segura as roupas pesadas todos os dias, todos os anos, tem o direito a um descanso, mesmo não remunerado. E ficar doente foi seu jeito de dizer estou cansado , não agüento mais! Quero cama. Quero paz.

Ele recebe diariamente roupas pesadas, duras, cheias de dobras, compridas... roupas, pequenas de nenês, de crianças maiores um pouco...agüenta as prensadas dos prendedores... apertando. Espremendo sua “pele”.

Recebe as roupas perfumadas com alfazema num dia, no outro vai a seco sem perfume.
A vida parece que é assim um varal que recebe as pessoas que serão penduradas em suas cordas e erguidas, levantadas e....de repentes despencadas porque se partiu, não agüentou o peso. Uma vez recebe perfumados elogios, outros dias recebe críticas ferozes que fazem despencar os brios, a coragem, a vontade de continuar.

Mas, depois do reparo, de uma visita ao consultório médico estamos pontos para recomeçar tudo de novo, todo dia, como um varal. Firme, forte, para retomar as atividades diárias sem choro nem vela. Um varal para esticar-se e pendurar-se, mas com cuidado para não romper-se.