DIÁRIO DA QUARENTENA I - 03/04/2020

Estou em quarentena. Isso não é novidade. Eu e milhares de outros. Há quem diga que seja uma medida desnecessária, que a economia vai falir. Mas a economia é um ente abstrato, eu não. Eu sou concreto, de carne e osso e um poço de emoções. Estou em quarentena há duas semanas. Em princípio, comecei com um resfriado estranho: tosse, espirros, dor de cabeça, dor no corpo, dor de garganta. Sem febre. Com os anúncios dos sintomas mais genéricos da COVID-19, fiquei com um certo temor de estar covidiado. Parece que não, ou que sim, não tenho certeza. O fato é que meus sintomas foram mudando ao longo dos dias, e se afastando dos casos clássicos de pessoas contaminadas. Meu resfriado foi embora, fiquei mais tranquilo.

Eu me mudei para um novo endereço uns dias antes da deflagração da quarentena e isso foi uma sorte. Moro em uma casa ampla, grande, onde instalei meu escritório, biblioteca, cozinha e quarto. E tenho um grande espaço externo para trabalhar. Tenho também um vizinho que me empresta ferramentas para trabalhos genéricos, tipo passatempo. Aliás, trocamos ferramentas. A casa dele é em cima da minha e temos uma passagem comum.

Esta casa onde moro fica em um bairro sossegado e ela está no final do bairro e perto das trilhas na mata, onde posso caminhar sempre que não chove. E como chove aqui. Parece que estou em uma cidade amazônica, onde chove todos os dias. Hoje, por exemplo, choveu o dia inteiro. E esfriou.

Outra grande vantagem de minha mudança é que não moro mais sozinho. Tenho a companhia de minha namorada. Estávamos os dois começando um relacionamento e ele foi esquentando, esquentando, já ficávamos a maior parte do tempo juntos. Então resolvemos ficar em quarentena juntos. Logo, moro em um lugar super agradável e com ótima companhia. Ela, minha companheira, é alegre, acorda sorrindo, sorri o dia todo, cozinha maravilhosamente e toca violão muito bem. Ela veio com seu violão, seus livros e sua caixa de sapatos. Como é possível uma pessoa ter tantos sapatos? Ela tem mais sapatos que eu tenho de chapéus. Talvez ela pergunte: como é possível uma pessoa ter tantos chapéus? E com o frio que faz aqui, imagino que terei chances de usá-los, o que não fazia antes por causa do calor. Há anos não fazia frio e este ano parece que ele virá com vontade.

Hoje estou escrevendo mais que o normal. Tirei o dia para ler e escrever. Tive um pouco de dor de cabeça, mas foi ressaca mesmo. Ontem à noite eu e minha companheira fomos convidados para tomar um vinho com nosso vizinho de cima, em quarentena como nós. Tomamos duas garrafas enquanto minha companheira se dedicou ao violão nos presenteando com um belo repertório de música brasileira. E terminou em samba.

Em casa parece que o vinho subiu, ou desceu, não sei. O que sei é que nosso movimento na cama foi fora do normal. O que havia terminado em samba continuou em transa, das melhores dos últimos tempos, em nosso quarto. Uau! Que maravilha de sexo. Desse jeito a quarentena pode virar cinquentena ou mais. Estou me acostumando com a pessoa, a convivência tem sido das melhores. Creio que nos daremos muito bem. Já nos damos muito bem. Um amor diferente do que já senti antes está no ar. E não é vírus. Não morre com sabonete e álcool em gel.

Com relação ao trabalho, já que tenho a responsabilidade de conduzir uma editora, confesso que estou relaxado e relapso. Isso precisa mudar a partir de amanhã. Assumo aqui, no papel, o compromisso de mudar meu comportamento profissional. Preciso sobreviver ao vírus física, psíquica e economicamente. Sigamos, então.

Paulo Cezar S Ventura
Enviado por Paulo Cezar S Ventura em 05/04/2020
Código do texto: T6907283
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