Sobre a nossa irrelevância?
O mundo vive uma crise global jamais vista. A humanidade está enfrentando o maior dilema da sua história: uma aguda crise política-econômica. Talvez a maior da nossa geração, cuja mobilização global em torno do Covid-19 terá implicações importantes na forma como nos organizamos em torno dos sistemas de saúde, economia, política e cultura.
A velocidade com que ocorreu a propagação virótica e o descompasso das decisões políticas baseadas em cenários com déficit de informação produziu a maior das crises de governabilidade de todos os tempos. Nem em tempos de guerra os cenários ficaram tão reduzidos ou ameaçados. A guerra mudou o seu patamar. O aprendizado foi intenso e será a maior crise vista por toda uma geração.
Para Yuval Noah Harari, ao escolher entre alternativas, devemos nos perguntar não apenas como superar a ameaça imediata, mas também que tipo de mundo habitaremos quando a tempestade passar. Sim, a tempestade passará, a humanidade sobreviverá, a maioria de nós ainda estará viva - mas habitaremos um mundo diferente.
O que temos visto é que a natureza das emergências e aqui se inclui a pandemia do Covid-19 vai fazer com que os processos históricos avancem muito mais rapidamente e não fiquem entulhados nos gabinetes da burocracia estatal. O Estado levou um choque, a velocidade dos fatos é maior que as falácias da segurança decisória tão buscada nos gabinetes palacianos. Tudo vai mudar e "habitaremos um mundo diferente."
E para um mundo diferente precisamos de novas perguntas, de pensar diferente. Precisamos encarar o mundo de frente porque está inundado de informações irrelevantes e, por isso, optamos pela clareza, considerando, inclusive o paradoxo de que se o mundo vai ser decidido em nossa ausência, por que estamos ocupados demais com coisas muitas vezes sem um sentido profundo e sabendo que a história, em geral, é sempre injusta?
Pense que, a condição de vida comum das pessoas em 1938, seja nos Estados Unidos, seja na União Soviética, Alemanha ou Inglaterra, por mais difícil que fosse elas eram importantes e se viam nos discursos e propagandas e imaginava-se no futuro. Um futuro com elas.
Porém, em 2018 a pessoa comum sente-se cada vez mais irrelevante.
O nosso dia a dia é construído a partir de uma enormidade de palavras despejadas em reuniões, nos textos lidos nas telas do computador e que são “institucionalmente” relevantes e se você não se encaixar, está fora do contexto. Palavras como ted talks, think thanks governamentais, conferências de alta tecnologia, globalização, globalismo, peer-to-peer de blockchain, engenharia genética, inteligência artificial (IA), aprendizado de máquina ou learning machine, etc., entre outras tantas que circulam no imaginário das pessoas comuns.
As pessoas comuns nem sequer suspeitam que nenhuma dessas palavras tem a ver com elas, porém as narrativas que conhecemos, sejam fascistas, comunistas ou liberais sempre disseram que isso era bom para elas. Só que não, é o que estão chegando à conclusão, num pensamento de massa. Como ela pode continuar a ser relevante num mundo de ciborgues (BIG DATA) e algorítimos de rede?
As instituições engoliram as pessoas comuns e ditam regras que não fazem muito sentido, e justamente por isso, aceitam com profunda insatisfação.
Nesse aspecto, pode se afirmar que “no século XX as massas se revoltaram contra a exploração, e buscaram traduzir seu papel vital na economia em poder político. Agora as massas temem a irrelevância, e querem freneticamente usar seu poder político restante antes que seja tarde”, explica Yuval Harari .
Portanto, clareza é poder. O que queremos? A política não sabe. Os políticos não sabem.
Manter a lucidez é a questão crucial para seguir um caminho a ser escolhido em que as instituições de Estado sugerem e apliquem os controles na sociedade, por exemplo, por meio da identidade digital, que comentaremos à frente, submetendo-as à irrelevância das suas vontades ou ficará à mercê das massas politizadas representadas muito claramente pelo sindicalismo que também está em busca de novas possibilidades de influenciação política.
O poder de disrupção que a tecnologia tem, nem chega a ser prioridade na agenda política, o que tem sido uma falha estrutural para as organizações governamentais, em especial, pois tem o dever de comandar os destinos de um determinado povo.
O que faço nesse texto prospectivo é a elaboração, de forma muito reduzida, do esforço de compreensão de algumas questões que implicam na grande problemática: o que queremos como sociedade preparada para lidar com eventos complexos?
A democracia liberal é excepcionalmente problemática, mas ainda é o modelo mais bem sucedido e versátil que os humanos desenvolveram para lidar com os desafios do mundo moderno, da velocidade, do digital, do invisível que produz, de como lidar com essa “invisibilidade”, sejam dos recursos informacionais seja da irrelevância humana cada vez mais destacada justamente pelas novas tecnologias.
A irrelevância humana se tornou um assunto muito relevante.