O melhor e o pior

Nestes tempos em que somos obrigados a ficar confinados, deixando de lado nossa vida social e tantas outras coisas a que estamos acostumados para preservar nossas vidas do coronavírus, acabamos por entender algo bastante importante: eventos como esse revelam o melhor e o pior no ser humano e, no caso de pessoas que não se suportam serem obrigadas a conviver 24 horas por dia num mesmo recinto, a situação pode chegar ao limite, tornando-se insustentável.

Cheguei a essa conclusão ao conversar com um amigo que vive na Itália e que, por ter vivido anos no Brasil, sabe muito bem o Português. Ele, que vive em um dos países cuja situação é das mais desesperadoras, contou-me que tem aumentado o número de pedidos de divórcio devido ao fato das pessoas estarem confinadas todos os dias. Um rapaz me contou também que, embora não tenha saído na mídia, aumentou o número de suicídios. Isso mostra que conviver junto nunca foi e nunca será fácil. E as notícias no Brasil registram aumentos nos casos de violência doméstica.

Ficar trancado em casa é necessário, porém pode nos obrigar a ter de aguentar gente desagradável por um tempo que parece indeterminado. Temos de admitir também que muitas vezes o lar da família pode ser um verdadeiro inferno e o que faz as pessoas pelo menos conseguirem se tolerar é o fato de que, podendo sair para trabalhar e tendo outras coisas para fazer fora de casa, como ver os amigos ou ir à academia ou fazer algum curso, ajuda a fazer com que a vida seja mais tolerável. E de repente se ver obrigado a deixar de lado tudo que se estava obrigado a fazer realmente é uma violência. A nossa mente tenta nos dizer que precisamos aceitar a nova rotina de confinamento que, se é desagradável, não será para sempre. Entretanto, o corpo demora a se adaptar. É duro acordar sem poder sair para trabalhar e sentir que estamos fazendo com que nossa vida tenha um propósito.

Não se trata de nos queixarmos. Eu penso que tenho sorte, principalmente porque não sou profissional da saúde nem trabalho numa funerária. No país do meu amigo, sei que trabalhadores que prestam serviços funerários chegam a ficar dias sem dormir. E penso em como é horrível não poder ir ao funeral de um ente querido por questões de segurança. Mas a situação não está fácil para ninguém, que se vê obrigado a se isolar, sem saber quase nada do mundo lá fora, podendo acompanhar apenas as notícias pela Internet e pela televisão. Notícias que estão longe de ser animadoras.

Pior é que quem é chato e insuportável irá piorar num tempo desses, inclusive se ficar o tempo todo acompanhando as notícias, especialmente porque muitos são os noticiários sensacionalistas que fazem de tudo para dar aos últimos acontecimentos um cunho apocalíptico, como se o mundo não houvesse passado antes por outros problemas causados por vírus. Quem não lembra do Ebola ou do H1N1? Além de tudo, estamos nas mãos de um presidente irresponsável e incompetente, que acha que o coronavírus é uma gripezinha e quis que se continuassem celebrando serviços religiosos, falando que as igrejas prestam um serviço essencial.

Como eu falei para o rapaz que trabalha num hotel (o movimento quase cessou nesses lugares), a gente sofre porque quer trabalhar, viver uma vida social e sentir que nossa vida tem um propósito. Porém, o isolamento é um mal necessário, ainda que saber disso não contribua para que fiquemos menos deprimidos e angustiados.

Ter de viver nesse isolamento em tempos tão incertos só nos dá uma certeza: a de que somos mortais e, por isso, não podemos agir como se sempre houvesse tempo suficiente. Esta será uma lição importante a ser aprendida nos tempos de confinamento. Como somos mortais e nossa vida não passa de uma frágil chama que pode ser apagada com um pequeno sopro, façamos o que queremos fazer agora. Nunca sabemos o que vem amanhã. Quanta gente não fez tantos planos que foram interrompidos pela pandemia?