Uma noite antes da quarentena

Já era o terceiro dia de quarentena e as ruas já estavam desertas, 9 horas da noite e todos estão trancados em suas casas, o inimigo não negocia, não dá trégua e não tem misericórdia, não vê classe ou qualquer coisa do tipo. Como de costume vou andando até a parada de ônibus, e cada motoqueiro de entrega que passa na rua me dava um frio na espinha, uma, duas, três vezes e mesmo assim meu corpo não se acostumava. Em tempo de crises sempre há os que se aproveitam do momento.

O motorista do ônibus estava de máscara, os olhos assustados e parecia não me reconhecer mesmo me vendo todos os dias. Aqueles olhos me perguntavam. - Cadê sua máscara? Éramos dois duelistas nos encarando por segundos infinitos, a nuvem pairava sobre nossas cabeças dizia. - Será que você tem?

Quando sentei na cadeira, passo álcool em gel em tudo, no cartão que paguei a passagem, no ferro onde vou me segurar, nas mãos e no tubo de álcool em um rito quase que paranoico, naquele momento na minha mente tudo estava coberto de um lodo verde e toxico, e a tensão dava lugar ao nojo de tudo a minha volta. O vento vindo da janela que em outros dias acariciava gentilmente meu rosto, agora mais parece alguém cuspindo constantemente na minha cara.

Na minha cidade os maiores casos de COVID-19 estão em três bairros, e todos ficam perto de onde moro e o ônibus em que estava passa por pelo menos dois deles, era como passar por um campo minado.

Ao chegar no trabalho um dos chefes do setor estava no hall do prédio supersimpático com mais 3 seguranças nada simpáticos por perto e diz.

- A partir de hoje vamos medir a temperatura de vocês, por causa deste surto que está tendo no mundo, vai ser rápido o teste.

- Caso dê alguma alteração? Perguntei.

-Vamos te orientar a busca uma unidade de saúde, aí o médico vai decidir qual vai ser o próximo passo. Responde.

Qual a dificuldade de colocar as pessoas de homeoffice? Uma multinacional com sede na China, Itália só pensou agora em tomar uma atitude, quando o governador decreta fechamento dos trabalhos. Tudo parece ser feito no improviso e as pressas. Não havia pelo menos um plano? Começo a trabalhar sem a mínima previsão de quando vou ficar em casa, sorte que ao fim do expediente cada um pode levar seu computador para casa em uma logística desajeitada e descuidada. O meu medo maior de ir trabalhar era das pessoas que não tem medo do vírus e de ser um cavalo de troia para minha família, pelo menos agora posso ficar em casa.

Luiz Eduardo Lopes
Enviado por Luiz Eduardo Lopes em 03/04/2020
Código do texto: T6905321
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