TODO CUIDADO É POUCO
Toda a meninada do bairro costumava tomar banho no rio Parnaíba, rio que tem uns seiscentos e quarenta metros de largura e que, quando há chuvas, fica muito violento, com águas turvas e corredeiras perigosíssimas, nas enchentes, abrem-se verdadeiras crateras no fundo, ora com remansos, ora com rodamoinhos que leva tudo pra baixo.
Por vezes presenciei pessoas sendo retiradas mortas das águas do rio. Quando via a lancha do corpo de bombeiros, era certo que procuravam alguém que havia se afogado. Passavam fazendo ondas na água para forçar o corpo do morto boiar ou ir para a margem. Vi um dia passar o corpo de uma senhora de uns 80 anos, não soube de quem se tratava. Mas lembro-me do irmão do Nazareno, tinha deficiência nas pernas, mas entrou na água e morreu afogado. A cena mais chocante foi a do meu amigo Alexandre, filho da Emília e do Consultor, como era conhecido aquele alfaiate, vizinho de minha casa. Eu estava em casa quando vi um tumulto pro lado da casa dele, corri e vi quando um homem forte o trazia nos braços, já duro, morto. Havia entrado no rio, sem saber nadar. Tinha apenas 11 anos, e, morreu afogado. Mas teve o filho da dona Tinoca, o Mário, a Rutinha... Novos e velhos, mas, uma grande maioria também pessoas que no verão, quando as águas baixavam e formavam as famosas coroas, pedaços de terra no meio do rio (ilhas), iam brincar, mas, se empolgavam, bebiam demais e depois queriam nadar e não dava outra, morriam afogadas e os relatos são inúmeros.
Foi num desses verões que eu e o meu amigo Abimael fomos nadar no rio em busca da “ilha” que, naquele ano estava mais pro lado de lá, a uns 200 metros para o meio do rio e a uns 150 metros rio abaixo. Portanto nós tínhamos que saltar muito pra cima no rio para que a correnteza nos ajudasse a chegar onde desejávamos. Mamãe não sabia, e nem poderia saber, como sempre umas mentirinhas para encobrir o verdadeiro intento do que íamos fazer. Coitada das mães, como a Emília que quando soube que o filho tinha ido tomar banho no rio já estava recebendo-o morto nos braços, quanta dor, quanta angústia, desespero, sofrimento e lágrimas eu vi naquele dia. E pensar que eu não estava nem aí pra minha mãe...
Fomos para o ponto inicial de nossa aventura e pulamos na água! Começamos a nadar e tudo correu muito bem. O Abimael era um bom nadador, aprendera com o professor Sarmento, famoso professor de natação, e, eu não ficava muito pra trás... Chegamos até com certa facilidade na coroa e lá ficamos por várias horas, curtido a natureza e tomando aquele sol! Lá para as tantas, vimos que seria hora de voltar, e foi aí que começou o drama. Agora tínhamos que alcançar um ponto máximo rio à cima para depois começarmos a nadar e chegar o mais próximo possível do ponto de partida. Mas, não contávamos que à medida que caminhávamos com água pela cintura a correnteza ia ficando mais forte, além do que íamos afundando mais. Eu já estava com água no pescoço, (naquele tempo eu tinha), então tivemos que começar a nadar de volta. Começamos, mas não demorou muito e eu já não agüentava mais, deixei de nadar e fui apenas flutuando e deixando que a correnteza me levasse. O Abimael disse pra que eu segurasse em seus ombros, ele era alto e nadava muito bem, então eu fiz o que ele disse e assim ele nadava por nós dois. Nadava um pouco e descíamos na correnteza e foi assim até alcançarmos a margem, mas, dois quilômetros, para baixo de onde tínhamos saído. Foi uma experiência terrível! Senti a morte bem perto naquele dia! Não tinha força nem para ir a pé até minha casa. Nunca havia sentido tanto medo e pensado em meus amigos que já haviam morrido, quanto naquele dia.
Vi exatamente como se morre. Pensei na Emilia e em minha mãe. Como se sentiria se chegasse apenas o meu corpo, sem vida, em casa. Conversamos muito, eu e o meu amigo Abimael e decidimos ter mais cuidado e nunca mais repetir aquela loucura. Com rio como aquele não se brinca! De uma maneira geral em se tratando de água corrente todo cuidado é pouco. Muito mais ainda sem um adulto junto e sem os pais saberem. A vida é preciosa demais para se jogar fora assim tão levianamente. Mas, eu era apenas um menino!