A senhora politeísta
Dona Maria preparava seu café da manhã, vestia um avental florido que recebera de presente de um de seus netinhos, todo decorado com tinta barata e escrito em alto relevo “MELHOR AVÓ DO MUNDO! ”. Tomava especial cautela com o avental, orgulhosa, gabava-se para com suas senhoras amigas.
Ovos fritos, dois. Chá, não café. Pão caseiro, nada de industrializado. Queijo colonial, o mais fedido que conseguira encontrar. Uma espessa geleia de morango. Nata colonial, claro. Sentada a sua mesa de madeira bem cuidada, a senhora atarracada empanturrava-se, ora o pão, ora o queijo, ora um golinho cuidadoso e trêmulo de chá. Os ovos, deixara por último nesta manhã.
Morava no terceiro andar de um prédio de cinco. O apartamento não tinha nada de mais, apesar de sempre impecável, e de notório tornara-se o assoalho, tão limpo que fulgia aos raios da alvorada que mergulhavam das janelas, também impecáveis.
Depois de satisfeita, foi minuciosa ao guardar e limpar a mesa. Pelos deuses, como odiava qualquer coisa deixada desleixada ou fora do seu respectivo lugar. O avental, desamarrou-o, dobrou-o, com exagerado cuidado, como se fosse a seda mais cara que já tocara. Levou-o até sua sala, que não tinha TV, claro, (pelos deuses, há objeto mais alienador?) E pousou-o diligentemente e com zelo exagerado no seu sofá, onde mais tarde guardaria. Gostava de deixá-lo exposto durante o dia como objeto de prognóstico à uma boa sorte, assim seus dias seriam melhores, acreditava fervorosamente nisso.
Descia as escadas vagarosamente, para fazer sua caminhada matinal pela praça, o médico queixava-se da sua saúde, dizia que a dor nas pernas era resultado de falta de exercícios físicos, sim, dissera que apaziguaria a dor com caminhadas, mas o que sabe ele? Só os deuses podem decidir minhas maldições, mas mesmo assim ela seguia suas recomendações. Apesar da dor nas pernas que assolava, não usara nem uma única vez o elevador, pelos deuses, não mesmo, tinha receio.
Terminando os últimos degraus, queixou-se – Pelos deuses, minhas pernas não são mais tenras há muito – O porteiro olhou-a de soslaio, com um certo gracejo nos lábios, ele disse:
- Pelos deuses? Surpreende-me, geralmente senhoras têm fervor pelo cristianismo.
- Mais deuses, mais recompensas, não acha? - Disse dona Maria, ofegante, com uma mão apoiada na parede, e a outra no seu joelho gordo. O porteiro tornou a fitá-la, com expressão taciturna, e respondeu:
- Mais desapontamentos, é isso que eu acho.