Num piscar de olhos
Há pouco tempo escrevi um poema homônimo a essa crônica. Então, resolvi explicar o porquê da escolha do título. Explicar sobre sua história, a qual não se dissocia da minha. O poema foi dedicado ao meu marido, Rogério. É uma homenagem aos nossos vinte anos de união, os quais completaremos (se Deus e a pandemia permitirem!) em setembro deste ano. Estou muito feliz, porque considero 2020 um ano bastante auspicioso, apesar das circunstâncias. Mesmo estando casados oficialmente há apenas sete (número considerado, pela crença cristã, como sinônimo da perfeição!), considero que nosso casamento tenha começado desde o início de nossa relação. Além disso, tanto as bodas de 20 (porcelana), quanto as de 7 (lã e latão) anos simbolizam resistência, o que representa perfeitamente nossa relação. De antemão, quero esclarecer que o título não se refere a um amor à primeira vista, caso alguém suponha isso.
Queria algo que fosse a marca de nossa união. E a imagem do “piscar de olhos” é emblemática para nós, pois foi a partir de um “piscar de olhos” que tudo começou. Sempre que recontamos a alguém nossa história, começamos a partir dessa cena. Nosso marco inicial que, por coincidência ou não, começou justamente no bairro do Marco, antigo Marco da Légua que, por sua vez, é a marca histórica da expansão territorial de nossa amada cidade de Belém do Pará. É ou não é marcante?
Nosso primeiro encontro aconteceu por obra do acaso no ano 2000. Sempre gostei de exercitar mente e corpo. Gostava muito de ler e de fazer caminhadas. Sempre caminhava no canteiro da Avenida 1º de Dezembro (Hoje, João Paulo II) com uma amiga, pois, conversando, nem percebíamos o quanto tínhamos andado. Em uma dessas, cruzamos com o Rogério e o irmão, que moravam com a família no referido bairro. Eles vinham em uma bicicleta, enquanto íamos a pé. O Rogério estava na garupa. Quando me viu, deu uma piscadela. Minha amiga e eu achamos essa atitude tão, mas tão engraçada (e, diga-se de passagem, ultrapassada!) que não nos contivemos e caímos na gargalhada.
Seguimos nosso caminho chorando de tanto rir. Ao chegar ao final do canteiro, que já estava bem próximo, fizemos o caminho inverso a fim de voltarmos para casa, a qual estava um pouco distante, já que morávamos em outro bairro: o bairro do Guamá (também histórico, tema de muitas músicas e poesias, apesar de ser alvo de muito preconceito também!).
Qual não foi nossa surpresa, quando vimos que o Rogério e o irmão estavam parados, em um dos retornos da Avenida, nos esperando. Acabamos parando para falar com eles, pois achamos que seria muito insensível e indelicado de nossa parte passar direto e deixá-los parecem dois bobos plantados no meio da rua.
Após nos apresentarmos, os quatro sentamos em um dos bancos do canteiro para conversar. De cara não me agradei muito do que ouvi, pois nossas rotinas eram totalmente diferentes, ele trabalhava (o que era bom!), porém, gostava de sair para beber com os amigos, de jogar bilhar, ou seja, tinha hábitos noturnos, era dado à boemia. Além disso, estava cursando ainda o ensino médio, o que achei um absurdo para a idade dele, 25 anos. Puro preconceito. Eu, por outro lado, estava desempregada, tinha acabado de completar o ensino médio, não saía, não bebia, enfim, não tinha vida social. Como estava com pressa, pois era noite e estava longe de casa, a conversa não se estendeu muito. Então, antes de nos despedirmos, ele pediu meu número de telefone (que não era ainda celular na época!). Pensei em inventar um número para que ele não me ligasse. Mas achei que seria uma atitude muito desonesta de minha parte. Resolvi dar meu número verdadeiro, imaginando que ele nunca ligaria, como geralmente fazem os moleques que não querem compromisso com ninguém.
No dia seguinte, estava eu em casa lendo (meu passatempo favorito na época!), quando o telefone toca. Eu atendi e uma voz grave falou do outro lado da linha perguntando por mim. Tomei tamanho susto, era o próprio. Não havia reparado em sua voz no dia que em que nos conhecemos e achei muito bonita, como também achei louvável sua atitude de ligar, mostrando maturidade e compromisso. Após conversarmos rapidamente, marcamos um encontro para aquele mesmo dia, à noite, no canteiro da avenida onde nos conhecemos.
No horário marcado, estávamos lá sentados novamente para conversar. E, novamente, começamos mal, pois descobrimos uma nova divergência entre nós: eu era católica; ele, evangélico. Apesar de ambos estarmos um pouco ausentes de nossas respectivas igrejas, quase discutimos quando tocamos nesse assunto (Santa Inquisição!!! Em pleno final do século XX!!!). Mas ele, muito inteligente e maduro, mudou logo o “rumo da prosa” (como ele costuma dizer!) para não brigarmos.
E foi aí que surgiu um gosto em comum: o da leitura. Esse tema, iniciado por ele, agradou-me demais, pois imaginava que ele, como muitos que conheci, nem sabia o que era livro. Nunca havia conhecido um rapaz que gostasse de ler, eu preferia nem tocar nesse assunto com os que conheci. Nossa história, então, mudou seu curso, pois passei a admirá-lo nesse momento. Mesmo divergindo também quanto ao escritor favorito: eu, Machado de Assis; ele, José de Alencar (Que, cá entre nós, é piegas demais!). Conversamos bastante e encontramos algumas semelhanças, ambos estávamos recém-saídos de uma relação malsucedida, por exemplo.
Antes da despedida, ele disse que tinha um presente para mim e pediu que eu fechasse os olhos e abrisse as mãos. Ingenuamente, e curiosa, fechei meus olhos e abri as mãos para recebê-lo. Foi quando me dei conta do que ia acontecer. Mas já era tarde. Trocamos, assim, o primeiro beijo. E descobrimos mais algo em comum: a perfeita sintonia entre os nossos lábios. E com um beijo terminou o nosso segundo encontro.
No terceiro dia, ele ligou de novo, convidando-me para acompanhá-lo ao casamento de um primo. Aceitei. Mas fiquei muito ansiosa. Nunca tinha ido a um casamento. Não tinha roupa nem sapatos apropriados. Não estava preparada para conhecer sua família. Vários conflitos internos. Uma amiga, mais experiente com eventos dessa magnitude, me deu um rápido tutorial. Olhou meu parco guarda-roupa. E me indicou a que mais condizia com a situação. Arranjou-me um par de sapatos de salto, já que eu não os tinha em casa, pois detestava usar saltos. Estava simples, mas elegante.
Fui, assim, ao encontro do Rogério, pois, ao contrário dele, não queria que ele conhecesse ainda minha família. Por isso, não quis que fosse buscar-me. Chegando ao local do evento, ele me aguardava na porta a fim de entrarmos juntos. Nesse momento, ainda na porta, conheci sua irmã (minha querida cunhada!). No entanto, antes de adentrarmos, ele perguntou se podia apresentar-me como sua namorada. Fiquei um pouco indecisa, pois era uma palavra muito pesada para usar com quem se tinha acabado de conhecer. Mas assenti. E, no terceiro dia, começamos a namorar e a trocar muitas cartas de amor (as quais pretendemos transformar em um livro futuramente!). Até hoje, comemoramos os três dias, os quais classificamos, respectivamente, como: o dia do “conhecimento”, o dia do “primeiro beijo” e o dia do “namoro”.
Depois disso, ele quis logo apresentar-me para o restante da família, principalmente, à mãe, que não estava presente no casamento (não conheci o pai, pois falecera quando Rogério tinha apenas 19 anos). Foi quando descobri o verdadeiro sentido da palavra “SOGRA”. Até então, minhas relações tinham sido relações de adolescente, não muito sérias, apesar de terem sido especiais. Essa proximidade com a família de namorado aprendi a ter a partir do Rogério, que fez questão de introduzir-me imediatamente na sua. Minha sogra (que Deus a tenha!), não aceitou bem nosso namoro, pois ela “AMAVA” a ex nora, como ela fazia questão de dizer sempre que ia em sua casa. Logo, fazia de tudo para boicotar nossa relação. Conquistá-la foi uma verdadeira prova de fogo. Mas, orgulho-me de dizer que consegui fazer com que ela substituísse sua frase preferida pela frase “EU AMO A ADRIANE”. Estreitamos a tal ponto nossa relação que, ironicamente, ela falecera exatamente no dia em que celebrávamos um de nossos aniversários de casamento/ namoro...
A coisa com minha família também não foi tão fácil para o Rogério. Foi aversão à primeira vista. Com minha mãe foi um pouco menos difícil por ser bem simples agradá-la, fazendo-a rir é o suficiente. A preocupação maior era com meu ciumento pai. Porém, o Rogério teve logo êxito, pois possui um forte traquejo social (fruto de seus anos de trabalho com vendas e em Bancos).
Após transpostas todas as barreiras familiares, seguimos nosso caminho juntos. Tivemos muitos conflitos, mas aprendemos juntos a administrá-los. Tivemos perdas, como a prima do Rogério, da qual éramos muito próximos, e minha sogra. E, claro, tivemos várias conquistas juntos. Passamos no vestibular. Formamo-nos, o que não foi nada simples para nós. Passamos em concurso público. Mudamos para o litoral do Estado. Casamos lá, na mesma data em que começamos a namorar. E, tivemos nossa principal conquista: nosso amado filho unigênito, Rafael. Materialização do nosso amor. O verbo que se fez carne. Extensão de nossa história. A boa nova de nosso amor.
Nosso relacionamento tinha tudo para não durar, pois, de todas as minhas relações anteriores, a única que se deu fora de meu círculo social, fora de meu pequeno mundo (vizinhança, escola, igreja), foi a relação com o Rogério. Ela veio ampliar meu mundo em todos os sentidos. Aprendi muitas coisas com ela (inclusive a beber, moderadamente, claro!). Aprendi a conviver melhor com as pessoas. Aprendi a repensar meus preconceitos. Aprendi, especialmente, o que é companheirismo. Dividimos tudo, inclusive a família e as amizades. Alguns amigos, inclusive, nos chamam de “Cris e Greg”, aludindo a um dos episódios da série “Todo mundo odeia o Cris”, em que os dois amigos inseparáveis descobrem que não têm mais identidade própria, são uma pessoa só. É bem assim.
Rogério sempre foi meu principal incentivador para minhas conquistas pessoais. Sempre me estimulou a continuar quando estava esmorecendo, dizendo-me palavras de ânimo. Sempre me faz muitos elogios, aumentando minha autoestima. É um cavalheiro. E ensina nosso filho a ser, da mesma forma, gentil. Olho para trás com alegria e admiração, pois, num piscar de olhos, lá se vão 20 anos. É muita felicidade! E pensar que tudo começou “num piscar de olhos”.
Em: 01.04.2020