Vavá Peito de Aço Morreu

No ano de 2002, ficamos todos imóveis diante da TV, que exibia, em imagens sem cores, jogadas da copa de 1962. A notícia era a de que Vavá Peito de Aço, há poucas horas, havia morrido. O centro-avante, de pernas musculosas, forte, longa cabeleira, como era o costume da época, tinha recebido a ilustre alcunha devido à velocidade com que percorria o campo, em poucos segundos avançava desde o círculo central até a área adversária, deixando pelo caminho os inconsoláveis defensores, que viam o nosso craque botar pra dentro. Vavá tinha sessenta e sete anos, estava doente há dois. Desligamos a TV e nos olhamos em silêncio, até que Getúlio, em um sussurro, como se estivesse fazendo uma confissão, disse: “morreu, Vavá Peito de Aço... morreu”, todos repetimos aquela mesma frase. Sim, a morte de Vavá nos revelava algo que sabíamos, mas insistíamos em ignorar. Se Vavá, modelo de vitalidade e força para toda a nossa geração, havia morrido, que seria de nós...simples humanos? Mauricio acendeu um cigarro, e enquanto falava a fumaça se misturava as palavras. “todos vamos morrer, há tantas coisas que não fiz! Quantos anos, meses, semanas, dias, horas, minutos, segundos ainda me restam?”. Carlão saltou da poltrona protestando, “você nem pense em morrer antes de me pagar os cinqüenta paus que me deve!”. Voltamos ao silêncio sepulcral, até que Claudio, que durante todo este tempo mantivera seus olhos fixos no empoeirado carpete marrom, falou com ares de filósofo, “a vida é um momento, e deste momento temos que fazê-lo o mais feliz possível, é nossa obrigação...sermos felizes. E não me venham estes padrecos e toda sua ladainha de vida após a morte! Com isso de vida após a morte nós deixamos de ver a grandiosa beleza desta que temos bem aqui e agora!”. Vladimir não se conteve e adicionou suas próprias ao belo discurso, “e afinal, para que queremos a vida eterna, se não sabemos nem o que fazer com o tédio de um dia de chuva?”. Em meio aos aplausos que se seguiram, a porta se abriu lentamente e do lado de fora, Milton observava a todos. Olhou para o sofá, e vendo que não havia espaço livre, juntou-se a nós, sentando-se numa cadeira de plástico que mal conseguia suportar seu peso. “Estou vendo toda essa alegria de vocês”, disse Milton, com sincera indignação- “ mas se você ligar essa caceta, vai ver que o timão já ta tomando de dois!”. Liguei a TV, Vavá morreu, o homem Vavá, e o mundo segue, para nós ainda vivos, exatamente igual, o que nos resta é seguir em nossa ignorância dissimulada e torcer para que o Corinthians possa virar a partida.

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Esteban Donato Ardanuy
Enviado por Esteban Donato Ardanuy em 01/04/2020
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