O dia da mentira*

Olhando a esmo fotos da galeria do celular me deu saudade.

Mas nem faz um mês que tudo isto começou.

Parece mentira.

Parece ontem.

Estávamos na praia.

Sentados num gramado.

Celebrando com a família.

Passeando de carro.

Planejamos viagem.

O aniversário do nosso filho.

Um aninho já, daqui a pouco.

Parece ontem.

O que fizemos há um ano, neste dia?

Não sei, mas só pensávamos nele, no nosso filho.

A viagem foi cancelada e o aniversário também.

Sem cama elástica, piscina de bolinhas e crianças no pátio.

Sem tios e tias, vovós e vovôs, gente querida de vários lugares.

Mas é melhor assim e isto é muito verdade.

Resta-nos cuidar de nós mesmos, para o bem dele e de toda a gente.

Sabe, planejar é um exercício de futurologia.

Tal como a futurologia, é nada até que aconteça.

Planejar não é ter, nem fazer e nem conquistar.

Mesmo que seja um caminho para isso tudo.

O inesperado também é nada até que aconteça

E tudo passa a ser verdade à partir deste momento.

Ainda assim vai parecer mentira.

Porque não tínhamos ideia de que tudo isto ia acontecer.

Queria dizer a todos:

“Vamos fazer a festinha do João!”

Mas seria mentira.

Contada neste dia, seria errado?

Amanhã esclareceríamos tudo e pronto:

“Era mentira!”

Mas eu revelaria com uma dor no coração.

E tudo que foi planejado foi adiado.

Estas verdades são cruéis.

Bem que poderia ser mentira.

Jefferson Farias

*Publicado originalmente em https://ocronistainutil.wordpress.com/2020/04/01/o-dia-da-mentira/