Crônica invisível da primavera

Naquela manhã após folhear um livro percebi que havia sumido. A suprema recompensa do trabalho imaterial é ter um espírito vivo e pronto para o mundo das férias. Sem ao menos desaparecer ambições e desejos caminho meus passos surdos pelo mercado do mundo. Para mim pouco importa se a abelha e a vespa sugam as mesmas flores quando tenho que subir uma montanha aos saltos. Decidi desaparecer para parecer moderno e não precisar subir mais.

Decerto por cansado da profissão de chefia notei que tudo havia terminado até o poder de engrandecer-se nunca cansativo. Assim deixaria de pesar aos demais. Depois, deixar para amanhã o que podemos fazer hoje... pode ser o único consolo da loucura. O hiato da folga, sem perder tempo aparecendo, quando é melhor viver da plena inaparência, reúne em meu espírito o estado melhor da alegria.

Vieram-me às reflexões de sábado e a liberdade sobre o segundo emprego. Não haveria mais choque. Se esse fato garantir algum desconsolo ele alentará ao mesmo tempo. De fato muitas coisas inúteis o são por excelência e por excelência ninguém mais me veria. Tampouco ninguém me saberia. Reapareceria somente naqueles que depositam nos seus olhos tímidos algumas lembranças momentâneas, dizendo: Aliás, com licença! Por favor! Naqueles que seguem correndo sorridentes atrás de um grupo de empregadas para conferir o quanto elas também têm uma obsessão. Estava livre para viver e correr porque sem presença não há o alarme interno. Nem a neurose, nem a cirrose hepática.

A vida no interior permite pesar friamente o silêncio mesmo que ele desabe sobre o privilégio de não sofrer minha transparente nudez. Posso agora assistir as cenas diárias como se fosse à sessão da tarde. Estufado de orgulho pela façanha de ter desaparecido sem perder o mundo de vista. O mundo já sem ginástica ou vergonha dos quilos a mais. Sigo caminhando no calçadão à tardinha isento de colesterol entre o trânsito da paisagem urbana da tarde. A fumaça podre dos carros passa por dentro de mim. No fundo a preguiça na sociedade de risco exige grande heroísmo e prossigo minha jornada para o chope. Conceituando a felicidade sem conta do ser invisível sem um pingo de culpa. Normalmente despacho telefone, organizo quilos de fotos de família, vou parar dentro de outras vidas onde deito-me em todas as camas o que pode parecer impróprio. (Os moralistas conseguem captar imoralidade até na ação fecunda...)

Da cozinha para a sala começo a desenvolver uma linguagem para invisível noção de coisa quanto ao meu nome como um preço e o preço é o espírito das coisas. Tento elevar minha impermanência a condição de nobreza o que é resquício de vaidade inútil. Faço o possível para desfazer. Desfazer o ar de agregado dessa condição porque os parasitos de resultados deliberam uma razão em plena inação com ar de grande coragem. E nem sempre a felicidade resiste à tenacidade dos tolos, assim quando pus a mão na consciência foi por metáfora.

No trabalho os colegas tentam me abraçar agora que já não dou na vista. Rodeiam minha mesa e querem saber se estou com problema de saúde, se desvaneci por causa da mulher numa briga sobre o filme e o direito do videocassete, etc. Passam sem discrição ao ponto de partida do amor unilateral, não respondo. Chuto-lhes como um Vadinho o traseiro dos invejosos escarnecendo sem arrependimento. Sem remorso na primavera por onde sigo com meu novo estado. A primavera roga minha presença de baile na varanda que de ruim desminto pela ausência suas intenções de me ver. Sem perder a pose diante da estação fixa com seus usos e costumes onde prosseguem os mais livres sem queixas nem lamúrias. É a primavera quem desabrocha onde preciso abrolhar para melhor sentir o seu perfume constante.