O último aniversário
Hoje, 31 de março de 2020, eu me lembrei de uma crônica que um ex-professor de literatura leu em sala de aula alguns anos atrás. Havia esquecido o nome do autor, bem como o título da obra, mas recordava-me das provocações contidas em cada linha declamada naquela leitura firme sobre o aniversário de uma negrinha, num botequim da Gávea. Escrevi palavras-chave no Google, passeei por algumas páginas... Eureca!? "A última crônica", de Fernando Sabino, fez-me voltar àquele que eu considero como o meu primeiro natalício, simplesmente aos 18 anos.
Tudo começa naquele bairro da zona Rural ludovicense que alguns já conhecem, pelo menos quem já leu um pouco dos meus relatos de vida. O dia era 8 de março, Dia Internacional da Mulher, data de nascimento de um dos meus irmãos. A minha mãe estava eufórica, pois dias antes o meu pai recebeu o salário. Então, ela resolveu fazer algo que jamais aconteceu na nossa modesta casa de barro. Alguns ingredientes e velas de aniversário foram comprados para que ela fizesse um bolo para comemorar o quarto ou quinto ano de vida do segundo filho. Eu sou o primeiro.
Confesso que não me lembro de ter forno a gás lá em casa. Aquele pioneirismo familiar deu uma trabalheira grande. Revelo, ainda, que aquele ritual me causava uma ponta de inveja. No auge dos meus 10 anos, eu nunca havia tido uma festa de aniversário. Para ser sincero, nem foi uma festa. Era mais uma celebração da vida, cujos únicos convidados eram os outros irmãos. Cantamos "Parabéns pra você", batemos palmas e a minha mãe ainda foi à vizinhança distribuir pedaços daquele bolo, o primeiro em comemoração ao nascimento de alguém da nossa família.
A partir de então, eu cobrava uma festa de aniversário para mim. A minha mãe prometia, prometia e prometia... Com tempo, comecei a entender as nossas limitações financeiras, principalmente se levarmos em conta que o final do mês não é um período favorável para milhões de assalariados. Esqueci-me da promessa, mudamos de bairro, seguimos a nossa vida. Mas em 2013, naquele domingo de 31 de março, perguntei a minha mãe se eu podia chamar alguns amigos da escola para almoçarem lá em casa. Não seria um almoço requintado, mas eu queria estar na companhia de pessoas que me fizessem bem. Assim aconteceu, mesmo sem a magia do bolo, das velas e dos “Parabéns pra você".
A minha mãe não saía da cozinha. Suada, trabalhava sem parar naquele cômodo sem portas nem janelas para fazer um bolo de chocolate. Eu perguntava qual a finalidade. Ela apenas respondia que era para uma festa da igreja. O motivo era aceitável, pois, naquela altura, a dona Suzana era praticamente a boleira dos cultos. Até hoje, ela quase sempre fica responsável em fazer as delícias dos eventos evangélicos. Glória a God! Horas depois, os meus convidados foram embora. No dia seguinte, a gente se veria novamente, na escola.
Segunda-feira, 1° de abril. Meus amigos e eu caminhávamos nos corredores do colégio Gonçalves Dias, cujo nome é em homenagem a um dos maiores poetas da língua portuguesa. Como o próprio romancista diria, a vida é um combate e lá estava a minha mãe, depois de tantas batalhas, deixando tudo pronto, na Turma 301 (302 ou 303, talvez?), para me surpreender com a minha primeira festa de aniversário, no auge dos meus 18 anos. Quando volto à sala, deparo-me com um bolo enorme de chocolate, balões, alguns litros de refrigerante, pratos e copos descartáveis, convidados e uma emoção enorme em perceber que, diferente de mim, ela não havia se esquecido daquela promessa.
E assim eu quereria o meu último aniversário: que fosse tão verdadeiro como aquele do dia da mentira.
Por: Édrian Santos