COVID-19
O DIA EM QUE A TERRA PAROU
Nelson Marzullo Tangerini
Um vírus invisível ameaça todo o Planeta. Através da tv, assistimos ao sofrimento de chineses, italianos, espanhóis e outros povos. Não interessa, agora, saber quem é o pai da criança. Milhões de pessoas estão morrendo.
Pensar em nacionalismos ou religiões, neste momento, não adiantará nada. Todo discurso, neste sentido, é o absurdo dos absurdos, uma vez que o vírus vem derrubando fronteiras [fortemente militarizadas, muradas ou não].
Neste momento, em que nos encontramos em quarentena, minha esposa, eu e nosso totó, reforçamos nossas barricadas, enquanto, vez ou outra lemos, escrevemos e ouvimos músicas. Qualquer semelhança com “O dia em que a Terra parou”, de Raul Seixas, é mera semelhança. Maluco beleza? Profeta do apocalipse? Não importa. O baiano deixou uma obra em que devemos mergulhar, para revermos nossos conceitos, pois “é lá no tronco que está o coringa do baralho”.
Escravizamos e exterminamos povos, calamos ou assassinamos opositores, poluímos solos, mares, rios, lagoas, lagos, mares e o ar, devastamos florestas, levamos vários animais à extinção. O lucro imediato e a economia estavam acima de tudo.
Neste momento em que o silêncio e o desespero se misturam, em que todas as atividades desumanas se congelam, o Planeta se recupera da poluição e os animais em vias de extinção (agora em vias de extensão) se reproduzem e se multiplicam.
O projeto genocida, de extinção das populações indígenas, na Amazônia, pelo governo fascista, foi abortado.
“Certas canções que ouço” cabem tão bem dentro de mim, como a música Instant Karma, de John Lennon, aqui fragmentada. O ex-Beatle, também profético, já nos alertava: “O carma instantâneo vai pegar você, baterá direto na sua cara. É melhor você se recompor. Em breve você estará morto. No que você estava pensando, rindo na cara do amor? O que diabos você pensa que é? Um superstar? Junte-se à raça humana. É melhor você reconhecer seus irmãos”.
Este é um grande momento para ouvirmos a boa música, aquela melodia, suave ou amarga, onde os loucos, profetas ou mestres nos deixaram mensagens inteligentes, belas e significativas. É um bom momento, também, para lermos ou relermos A peste, de Albert Camus. E para repensarmos sobre 2018, quando colocamos no poder uma cavalgadura.
Portanto, não adiantará nada você ser branco, negro, amarelo, vermelho, aborígene, europeu, africano, ocidental, oriental, irlandês, inglês, palestino, judeu, brasileiro, venezuelano, cristão [católico, ortodoxo ou protestante], muçulmano, budista, comunista ou capitalista. Na canção We are all water, de Yoko Ono, a intrusa japonesa nos diz que “somos todos águas de diferentes rios” e “que um dia evaporaremos juntos”.
Talvez, depois de tudo isto, depois desta grande tempestade, você continue ignorando o que eu disse, o que eu digo, o que eu direi: “Você dirá que sou um sonhador, mas eu não sou o único. Espero que um dia vocês se juntem a nós e o mundo será como um só”. Sonho meu? Sonho também de John, Gandhi e Martin Luther king. “Quando eu falava dessas cores mórbidas, quando eu falava deste temporal, você não escutou, você não quer acreditar. Mas isto é tão normal”. Ou seja: “Eu avisei”. Eu avisei que era fascismo. Eu avisei que uma inquisição poderia estar a caminho. A covid-19 mandou o mundo parar. Mas deixou o Planeta girando. E isto é um grande sinal de esperança.