CORONADA - VI
- E aí, patrão? - Ele apareceu de repente tapando o sol que entrada pela porta semiaberta, naquela manhã.
- Tudo bem? - Eu estava ocupado e não dei maior atenção a ele.
- Tudo bem, doutor. - Respirou fundo, olhou ao redor e percebendo que eu estava ocupado, ameaçou sair.
Foi quando tirei os olhos do notebook e o encarei:
- Tá tudo fechado, né?
- Tudo fechado, paiê. Tô lotado de papelão, plástico e até latinha lá, mas ninguém tá comprando.
- E como você tá fazendo pra comer esses dias?
- O pessoal que normalmente me serve um café ou até dá um almoço também tá fechado - ameaçou sair.
Notei seu carrinho estacionado na sarjeta, vazio.
- E como você tá fazendo?
- Ah, padrinho, se eu não morrer de corona, de fome é que não vou morrer não - e saiu da frente da luz. Sua sombra dançou na calçada fria da manhã de sol. - Sempre dou um jeito, como qualquer coisa.
Sem saber o que fazer ou falar, improvisei o único gesto que um egoísta sabe fazer: escolhi uma nota no bolso, ofereci uma garrafinha água, olhei com dó e até ameacei um tapinha nas costas sujas. Toque não pode, estamos em quarentena.