Léo

Entre as pessoas que marcaram minha vida positivamente está o Léo. Por quê? Porque ele tinha a capacidade de me surpreender. Explicarei como...

Quando o conheci, fazia parte de um grupo de canto da igreja católica próxima de casa. Eu estava a pouco tempo no grupo, mas o Léo era recém-chegado. Era costume, alguém que estava a mais tempo, fazer a acolhida aos novatos, a fim de deixá-los mais à vontade. Nessas acolhidas, explicávamos como funcionava o grupo, sua filosofia, organização, etc. Então, eu me dispus a desempenhar essa função junto a ele.

Porém, o Léo confundiu (ou se fez de desentendido!) as coisas, ficando à vontade demais. Não parava de me jogar “olhares 43”. E isso começou a me incomodar e irritar deveras. Dessa forma, decidi afastar-me dele e de seus olhares.

Esses primeiros contatos, deixaram em mim uma impressão muito negativa a respeito do caráter dele, acabei nutrindo uma certa antipatia por ele.

Em um dia, nossa paróquia preparava uma dessas campanhas solidárias que todas as igrejas fazem pela época do Natal. Eu, particularmente, adorava participar, pois me sentia superfeliz em poder ajudar de alguma forma as pessoas. Mas tinha sérias dúvidas se o Léo estava lá também por amor à causa ou apenas por minha causa. A campanha duraria alguns sábados e o Léo estava na minha equipe, o que aumentava mais ainda minha incerteza acerca das verdadeiras intenções dele.

A campanha funcionava da seguinte maneira: cada equipe ficava com um quarteirão a fim de ir de casa em casa explicando quem éramos, o objetivo da campanha e solicitando a ajuda das pessoas por meio da doação de alimentos não perecíveis. Aquelas pessoas que, por ventura, quisessem ajudar, mas não podiam no momento, poderiam marcar uma outra data para retornarmos. Naquela época, não havia tanto problema em colocar um bando de adolescentes nas ruas para ficar batento de porta em porta e pedindo alimentos nas casas. Então, isso era muito comum.

Eu sempre fui muito tímida. Mas, para a realização dessa tarefa, perdia toda a minha timidez, pois era por um motivo justo. Então, comecei a reparar se o Léo também se empenharia em fazer sua parte ou se ficaria todo o tempo me olhando. Para minha surpresa, ele sequer notava que eu o estava fiscalizando. Ele estava empenhadíssimo na campanha. Além disso, era super educado com as pessoas (mesmo quando não lhe correspondiam com a mesma educação!) e se expressava superbem. Tudo isso me chamou a atenção e me conquistou. Pode até ter sido uma jogada de mestre, mas enfim...

Aconteceu que, no último dia da campanha, estávamos sozinhos e faltava apenas uma vila para acabarmos nossa tarefa. A vila estava completamente vazia. Os moradores estavam todos dentro de suas respectivas casas. E, esse clima, fez com que acabássemos trocando um beijo tão ingênuo e tão terno, que o Léo me cativou de vez.

Nem preciso falar que, depois da campanha, começamos a namorar. Namorávamos escondidos, pois meu pai era muito ciumento e jamais aceitaria nossa relação, ainda mais porque eu tinha apenas 15 anos e estava começando o ensino médio e ele tinha 20 anos e já estava cursando a faculdade.

Nosso amor foi curto, não apenas porque tínhamos que nos esconder, mas porque o Léo era uma pessoa muito carinhosa e carente (para não dizer mulherengo!), o que descobri depois. Foi a segunda surpresa que ele me fez.

Um dia, meu pai (desconfiado e ciumento demais!) resolveu me tirar do grupo de canto, o único lugar onde nos encontrávamos. Então, resolvemos nos separar. Mas com a promessa de que, assim que pudesse retornar, retomaríamos nossa relação amorosa. Porém, quando retornei, descobri que ele quebrara a promessa e já namorava outra garota. Isso descobri da pior forma possível (o que não vem ao caso agora!), pois uma outra característica dele, que conheci nesse momento, era a covardia. Apesar disso, mantivemos a amizade, pois nutria por ele um imenso carinho.

Por motivos pessoais, ele precisou ausentar-se do grupo momentaneamente, porém sempre nos visitava. A última vez que conversamos, eu já estava com 19 anos. Nesse dia, ele me fez a última surpresa. Revelou-me que havia decido engajar-se no grupo de canto, há quatro anos atrás, por minha causa. Até esse momento eu nem imaginava uma coisa dessas. Pensava que a razão fosse a sua paixão por tocar violão. Ele contou que me vira após uma missa e apaixonara-se. Foi então que entendi o porquê de ele ficar me admirando todo o tempo enquanto conversávamos. Percebi que, além de caridoso e carinhoso, ele era discreto. Isso me deixou bastante emocionada. E meu carinho por ele cresceu ainda mais.

Há muito tempo não o vejo. Sinto saudades daquele tempo e dele. Rio muito quando lembro de sua covardia. E me emociono ao relembrar de seus atos de ternura. Fico imaginando se ele conseguiu realizar o grande sonho de sua vida: o de ser pai. Essa era a característica mais surpreendente e encantadora dele. Espero, sinceramente, que sim.

Em: 27.11.2005

Modificado em: 30.03.2020

Adriane dos Santos
Enviado por Adriane dos Santos em 30/03/2020
Reeditado em 01/04/2020
Código do texto: T6901837
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