As dores do início

"Histórias são imagens escritas", falei ao meu sobrinho um pouco antes de ser servido o almoço. Meu sobrinho tem sete anos e está no terceiro ano B, sempre que escuto ele falando de sua série escolar percebo a enfatizada que ele dá na letra "B" que, pensou eu, ele vê na porta de sua classe de segunda à sexta. Algo que está escrito à ferro e fogo em nosso âmago: desde a animalidade somos seres que separam; que preferem e preterem; seres moldados em "Krisis".

Ontem, sexta-feira, minha mãe chegou em casa, e logo saiu para ir buscar o Dudu, que é o apelido carinhoso, que, todos os Eduardos na face da Terra, muito antes de poderem sentir o que lhes da motivo para o primeiro choro de suas vidas, têm. Penso: como deve ser doloroso sentir o oxigênio encher nossos pulmões pela primeira vez... E dou uma profunda inspirada e expiro logo em seguida. Essas ações poderiam simplesmente ser resumidas pelo verbo suspirar, mas perderiam sua vital importância para nós.

Alguns minutos antes de acontecer o que relatei no início deste texto, o Dudu estava garimpando na minha estante. "Tio, eu quero ler uma história bem legal", disse ele. Tadinho! mal sabe ele que seu tio não tem histórias legais. Na última vez que escutei essa mesma frase, eu acabara de ler "As aventuras de Tom Sawyer", e foi esse mesmo que lhe foi apresentado. Expliquei que aquele livro era recomendado para crianças a partir de 9 anos. De imediato sua resposta foi: "Mas tio, eu ainda tenho seis". Não medi esforços para lhe explicar que, se ele, com a idade em que estava, lesse algo que implicaria um esforço maior para poder ser entendido, sua cognição iria estar se desenvolvendo mais que o esperado para uma criança de sua idade. Nesse dia ele chegou a ler três páginas. Fiquei observando-o enquanto ele pronunciava cada parágrafo, cada frase, cada linha, cada sílaba. Algumas palavras se faziam pedras no seu caminho; tropeçou muitas vezes em palavras difíceis, mas eu estava ali para não o deixar cair. Na terceira e, sua, última página, consegui ver e ouvir como o ato de ler o estava cansando. Tentou desistir na metade da última página, porém, eu estava ali para incentivá-lo a ir até o fim. Foi o que ele fez. Mais por mim do que por ele ou a história.

Sei que nada do que ele leu poderá ser, de uma primeira vez, assimilado. Sei também que ninguém nasce leitor, torna-se! E que no momento em que ele atingir sua zona de conforto, estarei pronto para arrancar dele inspirações e expirações de tédio e canseira.

Diego Crevelim
Enviado por Diego Crevelim em 30/03/2020
Reeditado em 02/09/2020
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