CENAS URBANAS (nº1)
COVID – 19
Duas mulheres na fila do mercado aguardam para pagar os produtos comprados. Começam a conversar. O assunto era o novo corona vírus e,o inicio das medidas de prevenção do contágio com o isolamento social.
-- Olha só, já começou o desabastecimento tudo por conta do medo de pegar o vírus.
-- É mesmo, depois que tudo passar quem não morrer da doença vai parar na psiquiatria.
-- Parece que o vírus é mais letal do que estão dizendo pela mídia. Na Itália as autoridades estão perdendo o controle da situação e, na China e países asiáticos estão começando a diminuir os infectados e a conter a epidemia.
-- Falam que o vírus veio da China, pois lá é que surgem essas viroses mais violentas e, por isso, já tem experiências para debelar epidemias. Falam que este novo vírus foi espalhado de propósito pelo mundo.
-- Bom as medidas de isolamento e quarentena, os hospitais inaugurados em curto prazo, a rapidez da contaminação podem ter origem em algo mais grave. Chegam a falar em “guerra biológica”. Se for esse o caso, deve ter sido plantado pelos ocidentais, pois os chineses não iam introduzir este vírus desconhecido em seu próprio país. A menos que tenha sido algum vírus que escapou do controle do laboratório na província de Hubei.
Neste momento, uma das mulheres desconfiou que a outra não tivesse entendido o que havia comentado, pois ela respondeu:
-- Acho que pode ser, pois na China o povo é sujo e comem tudo que é bicho: pombo, morcego, cachorro, escorpião e outros animais silvestres.
-- Mas isso é uma questão de hábitos alimentares chineses. Aqui no Brasil, somos sujos basta ver o lixo que jogamos no chão, e no interior comemos pombos, gambás, tatu, gato, farofa de tanajura e passarinhos entre outros.
-- Mas eu visitei a China, sei como é. Eles nem sabem lavar as mãos, estendem as palmas nas pias e, nem passam sabão e nem esfregam. Um horror!
-- No Peru, os indígenas que moram em Lima, quando querem urinar fazem nas calçadas com as pessoas caminhando. As mulheres com suas saias rodadas ficam de cócoras e fazem suas necessidades fisiológicas em qualquer espaço, muitas vezes vendendo seus produtos no mercado popular. A senhora deve ter preconceito. Afinal a China é um país do oriente que rivaliza com os USA e exporta suas mercadorias para o mundo. Seu avanço tecnológico é invejável.
-- Ah! Sim encontrei lugares bonitos e vi que o povo é até bem religioso.
-- Então, a senhora é anticomunista, e se vai falar mal do comunismo tem de falar mal do capitalismo. Não existe nenhum sistema perfeito no mundo.
Nessa altura dos acontecimentos o caixa chamou uma das mulheres e o diálogo entre elas foi cortado.
É incrível como as pessoas podem imaginar que a China seja responsável por espalhar a epidemia, quando o momento aponta para um processo de queda da supremacia mundial dos Estados Unidos. O novo vírus poderia ser visto como catalisador do bloqueio de crescimento econômico chinês num momento de crise global. O contexto pode ser alvo das “teorias da conspiração” e, no caso, é mais lógico supor que os USA tenham levado este vírus para a China. No século passado já aconteceu no Vietnã com a guerra químico-biológica e, pode ser uma possibilidade entre outras. Há a hipótese do contágio de frutas pelo morcego, mas o fato é que os cientistas não sabem com precisão a origem do vírus e desconhecem o seu comportamento.
A mulher que havia viajado para a China com seu forte bloqueio ideológico caiu na explicação do senso-comum passado pela mídia, pelos evangélicos e pior, pelo presidente Bolsonaro.
Jogar a culpa na sujeira dos chineses e seus hábitos alimentares, na ferocidade do comunismo faz reavivar entre os ocidentais sua aversão pelos povos que diferem da sua cultura e do sistema capitalista. A morte em série por infecções provocadas por vírus mais as posturas etnocêntricas podem ser empregadas como estratégia imperialista em conjunturas de crise do petróleo entre USA e Rússia, disputas comerciais entre USA e China, seguidas de agravamento da recessão econômica, e possível crash global.
TUDO ACABA EM BOSTA
No sentido figurado somos sempre aquela velha propaganda dos três macacos que colocam suas mãos no rosto. Um deles nos olhos para não ver, o outro nos ouvidos para não escutar e o terceiro na boca para não falar.
Foi assim que nos comportamos no recente episódio da água da CEDAE no Rio de Janeiro que, apresentou e ainda apresenta alterações no gosto, no cheiro e na cor. Nossa água não é potável. Este caso da água contaminada envolveu falcatruas, ausência de fiscalização e descaso nas obras de recuperação da água e esgoto. É a mais alarmante prova de desgoverno e da acomodação dos habitantes desta cidade. Perdeu-se um momento apropriado para recuperar a força dos movimentos sociais surgidos em 2013. Quem sabe partindo de uma proposta de “desobediência civil” deixando de pagar as contas mensais da Companhia, envolvendo parte da população do Rio - da Baixada à Zona Sul. Uma luta por “meios de consumo coletivo” que poderia deixar as autoridades estaduais de “calça nas mãos” projetando os setores médios na liderança do movimento.
Mas, os “ilustres brasileiros” representantes da classe média, não gostam de revelar sua situação econômica, pois preferiram manter o orgulho e postura altiva comprando engradados de garrafas de água mineral que, todos sabemos de duvidosa qualidade. Foi uma corrida insana nos mercados, farmácias e bares em busca do “néctar dos deuses” que deu uma alta margem de lucro aos comerciantes.
Uma via crucis que seria “cômica”, pois espelhava um perfil de consumidor tão acomodado ao cotidiano, que ostentavam os tais engradados como se tivessem com as “burras cheias” num país em crise econômica. Oportunidade que escoou pelo ralo, pois nem tivemos mobilização espontânea e sequer organizada, apenas a proposta de abaixo-assinado virtual e a concentração de grupelhos na Assembleia Legislativa e no Palácio Laranjeiras. Acabou com um abatimento de 25% nas contas de fevereiro.
Neste caso, a mídia fez a cobertura e denunciou, mas não se viu nenhum médico aconselhar a população (todos e especialmente os mais pobres) a ferver e filtrar a “água podre” da CEDAE. Tudo era direcionado para o lucro dos comerciantes nas vendas de água mineral que, só os privilegiados, consumiam. Chegou a aumentar o lixo ambiental com o descarte de garrafas PET.
Mais uma vez está provado que falta garra aos setores médios para lutar por seus direitos de consumidor. Gostam de ostentar o que não tem, e ignoram as lutas diárias e desgastantes daqueles que realmente nada possuem. Falta o menino da fábula que grita: -- O rei está nu.