MINHA LUTA CONTRA O CORONA VÍRUS
Recentemente desfrutei de um cruzeiro com um grupo de amigos.
Viagem maravilhosa, vida maravilhosa, companheiros maravilhosos, ... tudo maravilhoso.
Ao acordar em uma manhã, notei algo estranho. Uma incômoda dor de garganta amanheceu comigo. Tomei um anti-inflamatório, antes que ela inventasse de arruinar o passeio.
Ainda deitado na cama, olhei para dentro de mim e me apavorei. Excêntricas figuras coloridas, – até que eram bonitinhas, – em formato de bola, cheio de perninhas como sustentáculos, corriam doidas, mas com propósito definido, tomando conta do meu corpo. Pareciam umas capetinhas. Vinham em bandos, de todos os lados. Não fazia ideia de onde surgiam.
Procurei pelos soldadinhos, meus anticorpos, – que sempre me defenderam em tais situações, – e percebi que eles se encontravam perdidos. Desorganizados, se batiam entre si sem saber como enfrentar os invasores. Em menor número e com armamento inadequado, não eram páreo para um exército tão poderoso que tentava se apropriar de um espaço alheio.
À cata de Informações, disseram-me que os alienígenas estavam vindo da China, mais precisamente da cidade de Wuhan, e, passando de hospedeiro em hospedeiro, andaram pela Europa maltratando a população daqueles países até me descobrirem.
E, assim, por doze dias eles me dominaram. Meus soldadinhos, os que sobreviveram, fugiram. Me indignei. Não acredito que fizeram isso comigo. O estrago foi enorme, o resultado desastroso.
Minha saúde, um sistema tão organizado e preciso, virou um caos. Os agressores desmantelaram todos os departamentos. Arranharam cordas vocais, provocando inflamação e tosse, além de transformar o timbre da minha voz em pura rouquidão. A boca secou, o aparelho digestivo amoleceu e fiquei tomado de enjoos. Os desgraçados mijaram e defecaram em cima do paladar e do olfato, fazendo com que a comida perdesse o gosto e o cheiro. Levaram minhas energias, largando-me inerte em uma cama sem vontade de reagir. Alguns corriam pelas juntas e davam pontapés nas pontas dos ossos, ocasionando dores nas pernas, nas mãos, nas costas e nos braços. O cérebro, meu comando central, apavorado, disparava incessantemente o alarme de perigo, fomentando febres e calafrios que me deixavam completamente prostrado. Enfim, eu estava virado num traste.
Finalmente, no décimo terceiro dia, acordei com a sensação de que tinha sarado. Mas ao olhar para meu interior, me assustei de novo. Dois exércitos estavam frente a frente prontos para a batalha final. Achei que seria uma luta inglória, pois os que me atacavam eram mais robustos do que aqueles que me defendiam.
Contudo, antes de partirem para o confronto derradeiro, o líder dos invasores fez uma proposta ousada que foi aceita pelo general dos anticorpos, pois nem mesmo ele confiava na vitória:
– Para se evitar um derramamento de sangue desnecessário, escolha o teu melhor guerreiro para lutar com o meu. O derrotado se retirará, entregando o domínio desse território ao vencedor.
E assim foi feito. Do lado do vírus, apareceu um super-guerreiro fortemente armado. Com uma lança em uma das mãos e uma gigantesca espada na outra, dava a impressão de que trituraria quem se opusesse a ele. Para me defender, foi escolhido um soldadinho raquítico, talvez o mais fraco dos anticorpos. Confesso que vi o começo do fim.
E o combate se iniciou. O representante dos invasores exibia arrogância e debochava da fragilidade do seu oponente. Procurava por todos os meios arrebentá-lo com uma única espadada. Era a reedição da luta entre David e Golias. Felizmente, o meu soldadinho compensava a sua fragilidade pela agilidade. Após meia-hora de ferrenha contenda, quando os dois já mostravam cansaço, o naniquinho, se esquivando de uma investida mortal, cortou duas das pernas do possante Golias. Manco, desequilibrado, não conseguiu impedir que meu defensor lhe perfurasse o abdômen. Desfalecido, caiu no chão. Alguns dos seus comparsas ainda tentaram reagir, não acreditando no que viam, mas foram enxotados pelo competente exército de imunoglobulinas. Em consequência, a maioria fugiu, outros acabaram sendo mortos pelo caminho.
Quando vi que os meus agressores estavam derrotados e eu livre daquela maldição, não me contive. Urrei, bradei, exultei, dei pulos de alegria. No auge das comemorações, sem me conter de felicidade, abri a janela do meu apartamento e, eufórico, aliviado e ao mesmo tempo com raiva, gritei para que os moradores dos prédios vizinhos ouvissem:
– CORONA VÍRUS, VAI TOMA NO TEU C....
Escutei ainda uma senhora na sacada ao lado comentar com a amiga:
– O velhinho infectado do quinto andar pirou. O vírus deve ter atingido o cérebro do coitadinho.
Nem liguei. Voltei a deitar, olhei para dentro de mim novamente e fui agradecer ao meu general. Aí, ouvi dele os pormenores da estratégia aplicada na vitória:
– Seu Saulo, não me lembro de uma batalha tão feroz quanto essa. Como eles vieram equipados com armas que não conhecemos, fomos obrigados a bater em retirada e ativar nossa central de guerra para inventar e fabricar novos produtos capazes de enfrentá-los. Até estarmos em condições de derrotá-los, escondíamos atrás de touceiras de sangue, de mucosa, de fibrose, e de lá saímos para ataques pontuais. O objetivo principal naquele momento era protegermos a respiração, pois, segundo nosso serviço de inteligência, a meta deles era detonar a circulação de ar nos pulmões, o que nos levaria à derrota fatal. Graças a Deus deu tudo certo. Posso lhe garantir que esses aí não voltarão mais. Aprenderam a lição.
– Mas não foi uma tarefa fácil, meu comandante? – inquiri eu.
– Claro que não, companheiro. O campo de batalha, no caso o seu corpo, em função da idade avançada, não permite a rápida mobilidade das nossas tropas. Ademais, o senhor leva uma vida um tanto desregrada: não tem horário para dormir, gosta de picanha gorda, não alivia no chocolate, exagera nas suas doses de uísque e não abre mão de uma rodada de cerveja. Sem falar que é um ex-fumante. Tudo isso é sobrecarga aos meus rapazes.
Envergonhado, disfarçadamente respondi:
- Outra vez obrigado, meu general. Vou me cuidar. Prometo não exagerar na carne gorda, no chocolate, no uísque e na cerveja.
Ele apenas sorriu. Sabia que eu estava mentindo.
FIM