Colher marcela

Estou sentindo falta de algumas coisas nesse período de retiro forçado.

Conversar de perto abraçar as pessoas. Jamais pensei que sentiria tanta falta. Tomar um chimarrão. Claro que sair à rua, ir ao mercado, jogar pelada, churrascos com os amigos, academia. Tudo isso hoje parece tão distante.

Também é estranho como a gente encontra e relaciona com os vizinhos. Aqui no nosso condomínio, temos um espaço para caminhar. Uma trilha no mato com escadas de pedra rústica onde dá para fazer um bom esforço subindo e descendo. Acontece que a maioria resolveu caminhar à tardinha, daí a gente se cruza na trilha estreita. De longe as pessoas já vão parando e se esquivando, procurando um lugarzinho fora da trilha para evitar a aproximação. Tem-se a impressão que o outro é o inimigo, o contagioso, o doente. Há 10 dias a gente brincava de se cumprimentar com um toque de cotovelo.

Cortei o cabelo há umas duas semanas e já estou preocupado como e quando será o próximo corte. Imagina a máquina, a tesoura, o pente, a cadeira. Tudo isso pode estar contaminado.

Hoje na caminhada, ao entrar no mato vi um pé de marcela. Todos os vizinhos já devem ter visto. Daqui a pouco chegará a sexta-feira santa. Dia de colher marcela nos morros. Tradição antiga. Minha mãe diz que deve ser colhida antes do sol nascer ainda com orvalho, que são as lágrimas de cristo e assim o chá fará mais efeito.

E como será? As pessoas vão poder sair livres atrás de marcela. Mesmo que eu não vá todos os anos, parece que neste, por estar nessa situação de quarentena, estou com gana de ir. Sim, porque nosso pé de chá aqui do condomínio, não será suficiente para todos. Acho que vou fazer aquele discurso, propor sermos solidários, eu sei que foi um vizinho que semeou e, como um símbolo, colhemos a marcela em grupo e fazendo pequenas trouxinhas, pequenos atados, que disputados, serão lembrança desses tempos. Desse abril de 2020.

Quem sabe esta marcela abençoada, não será milagrosa e assim o remédio contra esse vírus pandêmico?

Outra coisa; E o peixe? A feira do peixe?

Os ovos de chocolate? A páscoa?

Vamos ter que nos reinventar este ano!

Porto Alegre, 28 de março de 2020.

JORGE LUIZ BLEDOW – E-mail bledow@cpovo.net