Urbi et Orbi – palavras claras e serenas na tempestade
Um idoso em vestes brancas e simples, sobe com certa dificuldade os amplos degraus da Praça São Pedro. É final de tarde e cai uma chuva fina. As cores mescladas do dia e da noite contrastam com a luminosidade fraca de tochas espalhadas no chão e lâmpadas fixadas em antigas fachadas. A Basílica de São Pedro - imponente em história e arquitetura a revelar entre outros, a genialidade de Michelangelo e Rafael - completa a aura de espiritualidade.
Jorge Mario Bergoglio nunca vira a Praça assim, vazia, a solidão fisga sua alma. Sob seus ombros uma responsabilidade monumental: o mundo, este pequeno mundo da terra aguarda suas palavras.
Jorge dá mais uns passos e sente o que vai falar. Sente a perda das vidas na Urbi e no Orbi, as perdas que virão, sente o sofrimento das famílias e o peso da compaixão pesa por demais e suas pernas vacilam.
Segue lento e antes de chegar ao altar é acometido por uma onda de tristeza. Sente pena da humanidade desorientada e doente, transtornada pela pressa, ávida pelo dinheiro e pelas coisas, complacente face absurdas guerras, surda ao grito dos pobres, às injustiças planetárias, às agressões que não cessam na casa comum. E a tempestade viral agravando as desgraças.
Mas Bergoglio sente também fragilidade e impotência, o medo humano de falhar quando muitos depositam esperanças, medo de não poder construir as pontes para unir o planeta em frangalhos, pulverizado em nações e línguas. Ele é um só.
Imagina Jorge, todos, nações e povos num mesmo e imenso barco sob auspícios de Deus. Um inimigo a combater, um mundo a ser construído com os tijolos da hospitalidade, fraternidade e solidariedade.
Sua voz serena é um bálsamo espiritual a unir e confortar milhões. Suas palavras boias espalhadas nos continentes a recolher náufragos no grande barco.
Em tempos áridos de lideranças globais, o altruísmo de Francisco é um alento. As imagens e palavras inesquecíveis deste dia 27 de março atravessarão os anos.como marco de esperança e beleza em dias sombrios.
Muitos dizem que o mundo não será o mesmo após a tempestade. Pode ser, resta saber, melhor ou pior. Numa coisa acredito, se há um espírito do tempo a pairar sob o mundo, é a insatisfação coletiva mundial dos povos contra a ordem das coisas e uma vontade imensa de mudar. Francisco, mais que ninguém, sabe disto.