PÁSCOA CABOCLA
Cruzo a campina crespa de marcelas de minhas lembranças, abro o portão de entrada e retorno àquela casa de madeira na rua do Fomento, onde morávamos em companhia de minha avó paterna.
A cozinha ampla com o fogão de lenha próximo à janela que dava para o pomar, acolhe-me.
É manhã de sexta feira santa.(e aí reside o melhor destes meus retornares no tempo) .
Ainda meio bocejante eu acordava e assim que chegava naquele compartimento da casa deparava-me com vovó rodeada de afilhados,netos,meus tios e primos mais velhos, que haviam chegado muito cedo a pedir-lhe a benção.
Era uma benção diferenciada , solene.
A benção da "Sexta feira Santa" com o sentido especial do respeito pela madrinha,a avó,a amiga mais velha.
Meio encabulado, esfregando os olhos, era eu convidado a aproximar-se.
Vovó tomava-me em seu colo e os paparicos vinham aos montes.
Dela, dos meus pais e dos demais ali presentes.
A casa tinha o cheiro das flores de Monsenhor, das sálvias e alecrins, orvalhados ainda, colhidos por meu paii muito antes que o sol nascesse.
As manhãs tinham o aconchego do friozinho de outono e ao redor do fogão aquela gente reunida tomava chimarrão enquanto na chapa quente estalavam os pinhões assados.
O ninho, os chocolates que viriam na sequencia, ate me entusiasmavam, mas as manhãs de sexta feira eram de ternuras ímpares e aquelas reuniões da família ,aqueles odores benditos naquela casa singela,incrustaram-se para sempre em minha memoria como grata recordação.
O tempo passa,o tempo voa, mas não poda as floradas das quaresmeiras muito vivas nos quintais do espírito.
Já bem crescido, continuei observando meu pai em idade avançada, preservando a tradição das madrugadas de colheitas das ervas de cheiro.
Costumo visitar-lhe no endereço de sua morada eterna neste dia de recolhimento. E naqueles silêncios de templos, travamos longos diálogos telepáticos e nestas trocas de confidencias, por diversas vezes assumi o compromisso de dar continuidade as suas tradições.
Tão singelas e ao mesmo tempo cheias de nobreza na simbologia de seus propósitos.
Por vezes tenho a estranha sensação de ouvi-lo, naquele seu jeitão caboclo, simples e direto de dizer as coisas.
_Pare!...Você acorda sempre com o sol a pino.
O projeto de um riso desenha-se em minha face e acabo sempre engolindo o ligeiro travo na garganta.
Neste momento,postado na janela, enquanto mergulhava no passado, no quintal de meu vizinho o pé de aleluias acenava-me em suas primeiras flores insinuando a proximidade da semana santa, enquanto as curucacas em pequeno bando, trinavam melancólicas albergando-se nos braços franzinos das duas araucárias preservadas no local.
Abotoei no peito a leveza do sol dos meus melhores dias, tentando fugir à aridez dos dias atuais.
O vento frio desta manhã traz em seu bojo os acochegos daquela cozinha de assoalho de tábuas largas, das chamas crepitando no fogão a lenha, dos afilhados a pedir a benção...
Tudo distante e tão perto ao mesmo tempo.
parece que foi ontem !
Texto reeditado , preservados os comentários ao texto anterior:
08/04/2010 14:21 - Lisyt
As tradições embelezam essas datas e as mantêm vivas.Pena que estão acabando e já não há tanto perfume no ar. Abraços
06/04/2010 21:16 - Malgaxe
Pode ter certeza de que ninguém vê os acentos que faltam nos teus textos, mas na bonita forma e no sempre interessante significado que eles tem. Belo texto, faço das tuas, minhas palavras se me permite. Grande abraço
06/04/2010 20:35 - CONCEIÇÃO GOMES
Amo ler voce, pois fala das coisa que eu gosto, que eu vivi um pouco.Hoje tudo é diferente, mas restam as saudades de um tempo bom.
05/04/2010 16:38 - Norma Suely Facchinetti
Joel, seus escritos tem o poder mágico de evocar minhas recordações esquecidas. Lindo! Abraços.
05/04/2010 15:51 - Anita D Cambuim
Manter tradições é maravilhoso. Ah, as conversas telepáticas com eles... Boa semana, Joel.
05/04/2010 14:06 - Dante Marcucci
É, amigo...não fazem falta as cedilhas e acentos no que escreves. Teu texto nos leva sempre de volta a uma realidade boa e antiga, vivida por muitos de nós. Um abraço
05/04/2010 08:23 - martamaria
Bom dia, fiquei feliz com seu comentário. Obrigada. Parabéns pelo seu texto. Abraços
04/04/2010 00:09 - Giustina
Com ou sem cedilha, teus textos não perdem a magia, Joel! O encanto das tuas descrições saudosas são um lenitivo para a alma. Adoro te ler. Grande beijo, meu amigo.
03/04/2010 02:15 - Tânia Alvariz
Lindo texto, Joel. Feliz Páscoa pra vocês! Bjos
02/04/2010 20:49 - Rosso
Amigo, mais que com o teclado às vezes "manco" Você escreve com o coração e enternece seus leitores. Feliz Páscoa!
02/04/2010 17:09 - Helena da Rosa
Muito me alegra, Joel, que cites minhas linhas em tua página, que é endereço certo de encanto e ternura que distribuis por estes lindos textos.Lindas lembranças meu amigo!A vc e seus familiares uma Páscoa abençoada. Lindo dia, bjs helena
02/04/2010 17:06 - Maria Iaci
Como sempre, você tem um jeito todo especial de nos trazer suas memórias recheadas de lírico sentimento. E o faz com tanta arte, que até sentimos os cheiros, sabores, vemos as cores, sentimos os calores e tudo o mais. Lindo, Joel! Boa páscoa pra você e pra toda a família (inclusive os caninos). Um beijo em todas as testas. :)
02/04/2010 16:19 - Lenapena
Que lindas lembrancas, como e bom, ter belos fatos a recordar. Parabens, a vc, que com sensibilidade escreveu tao queridas vivencias.