Diário de um enclausurado

23 de março

A noite anterior não me proporcionou um sono tranquilo. Dei um espirro – medo. Será que tinha adquirido o tal do vírus? Na verdade, minha rinite resolveu aparecer e dizer que ela está mais viva que o coronavírus. Acordei me olhando e me vigiando. Tudo normal!

A mesma coisa: limpeza, banho e limpeza. Hábito higiênico que passou a ser a minha obsessão. Ler e sublinhar o livro, agora com calma. Tenho muito tempo.

A internet me traiu, caiu. Passei o domingo com o som da chuva e o vazio em casa. Precisava preparar minhas aulas, afinal, a vida, lá fora, continua. O que fazer sem net? Nada! Apenas olhei os quatro cantos da minha casa e resolvi limpar novamente. Deitei no sofá e comecei a ver no vazio. Meus olhos cansados descansaram um pouco, cochilei.

A chuva caia torrencialmente e olhei pela janela ela lavar a terra e a humanidade. Será que o céu chorava? A tarde chegou sem novidades. Andava de um lado para o outro e esbarrava comigo mesmo. Estava estressado, entediado...quase gritei...controlei-me.

Com a noite, veio o silêncio do silêncio; aquele que você ouve o seu interior e a voz que começa a falar é assustadora. O outro pode ser o meu inferno, mas quero o outro, outros..

Tomei mais um banho, pois estava sujo diante da pandemia. As mãos foram lavadas amiúde e continuavam imundas.

A noite tem que ser curta. Tomei um antialérgico e deite-me no sofá. O sono veio. Dormi algumas horas. Levantei-me, não olhei para o relógio (ele parou também e resolvi não trocar sua pilha), afinal, para que serviria saber o horário? Fui até a cama e me joguei. O corpo estava exausto de silêncio e vazio.

As paredes de uma casa erguem um novo ser humano.