Diário de um enclausurado
Na manhã do dia 22, o coronavírus ainda é assunto principal. A mídia utiliza o vírus como protagonista de seus programas e a população assustada e surpresa vai tentando seguir a vida. Vida que não é mais normal. parece que todos estão sujos, pois ninguém mais se toca e a distância tornou-se obrigatoriedade para a sobrevivência.
Exilado em minha própria casa, acordo cedo, como de costume. O silêncio permeia meu ambiente e num gesto que se tornou corriqueiro, álcool e cloro passaram a fazer parte do meu dia a dia. Minhas mãos estão finas e penso que irão criar feridas logo, pois a higiene tornou-se uma paranoia.
No primeiro momento, limpei a casa e tudo que toco, desinfetei. A minha rotina também tinha a leitura. Os livros passaram a conversar comigo pela manhã. Leio como quem senta em um boteco e bate um papo com um amigo próximo. O almoço não tem hora, afinal, as horas não são contabilizadas para quem tem todo o tempo do mundo.
Li até saturar os olhos e precisava descasar. Almocei cedo, por volta de 11:30h, depois, deitei-me no sofá e assistindo a uma série, que já vi muitas vezes, cochilei. Acordei por volta das 14:40h e olhei pela janela. Apenas a chuva caia e limpava o que a doença quer sujar. O céu parece chorar pela humanidade.
Olhei por algum tempo da minha janela a tempestade, mas ainda não molhei meu rosto com as lágrimas. Sei que virão, contudo, torço para que fiquem recolhidas.
Na China, a contaminação local voltou e, com ela, a desesperança. O mundo está assustado e o inimigo parece que veio para vencer.
Liguei a televisão, mas fugi de noticiários tristes e, de repente, deparei-me com o filme da Elis (já havia assistido), vi por alguns minutos e resolvi ligar minha vitrola (sim, eu tenho uma vitrola e discos de vinil). Por alguns minutos ouvi canções de Chico Buarque e Roberto Carlos e elas me relaxaram; aliviaram o peso do tédio e do distanciamento social. A internet caiu. O exílio agora parecia completo. Quando ela voltou, assisti a um filme e fiquei pesquisando no computador bobagens...bobagens.
Antes de me deitar (não sei que horas, afinal, nem olho mais o relógio), vi o noticiário e percebi que a situação continuava periclitante, nada de mudança imediata. Não quis pensar em nada que me despertasse, pois, ficar comigo, ainda está tranquilo. Continuo me agradando e me aceitando do jeito que sou. Dormi...