Diário de um enclausurado
Quando você se depara com o seu reflexo, percebe força e fragilidade em uma queda de braço. As quatro paredes e uma porta, aberta a qualquer hora por você, mas com a chave do medo, enclausura o ser humano e lhe apresenta o debate entre vontade e receio.
A casa, hoje transformada em refúgio forçado, oferece tudo. A Tv e suas múltiplas atrações, a priori ajudam a passar o tempo. A estante cheia de livros é um convite. O primeiro dia isolado do outro e apresentado a você mesmo transcorre com tranquilidade, embora a morte pareça bater na porta a todo momento.
A leitura passa a ser alimento matutino. A disciplina cotidiana preenche o tempo e engravida a cabeça.
Ao meio dia, o almoço farto, do mercado feito dias antes, convida a uma cesta. O sofá é a cama e o silêncio entoa a cantiga de ninar. O cochilo da tarde parece um preâmbulo para a eternidade.
Noticiários assustam e alertam. O que fazer?
As lágrimas parecem guardadas nesse momento, entretanto, haverá ranger de dentes.
As previsões são catastróficas, nada de esperança nem luz no fim do túnel.
(A notícia pelo mundo é desoladora. A Itália assiste ao avanço do vírus e contabiliza as mortes. A China parece controlar a pandemia -20 de março. A Europa está em alerta, assim como a América. O Brasil faz suas contenções e os números aumentam exponencialmente. O Ministro da Saúde prever tempos árduos e duradouro. Aqueles que têm fé rezam/oram; aqueles que não têm torcem; a corrente pela vida tem a mesma voz.
“Brasil tem 904 casos confirmados de novo coronavírus, diz ministério
Total de casos subiu 45% em um dia. Ministro da Saúde prevê 'disparada' dos casos em abril e queda somente em setembro. 20/03/2020”) Pânico e paranoia vociferam nos dias atuais.
Leitura novamente. Ler parece ser a melhor conversa para quem só se tem a si mesmo. São horas fitando, sublinhando o livro. Reflexões acerca do tema. Vizinhos, de longe, procuram conversa. Apresentam dados, possibilidades e medo. Medo parece ser a palavra costumeira.
Um lanche. A vida segue e o corpo também precisa se alimentar.
A televisão ligada, constantemente, parece conversar todo o tempo. O diálogo-monólogo retira o silêncio da casa e os canais apresentam o mesmo do mesmo. Assistir a um filme parece a companhia noturna mais recomendada. Esqueci que a vida, mesmo de longe, continua. Sou professor e as aulas e o conhecimento não param. Prepará-las e enviar virtualmente é uma obrigação. Dificuldade no começo, contudo, com a nova tecnologia, o contato com quem sabe mexer nessa nova ferramenta auxilia, mesmo estando a 60 Km de distância. Tudo certo. Aula pronta e enviada. Bom trabalho, alunos!
O filme a leitura e a cama, a noite chega e o silêncio ainda assusta. Assim, terminou o dia comigo mesmo. Estamos em paz; ainda!