O vírus e eu

     1. Nos últimos dias, estou me sentindo um sujeito rigorosamente limitado na minha liberdade. Tudo por causa do maldito coronavírus que chegou em Salvador não poupando ninguém. Desde então, perdi meu sossego. Não faça isso, não faça aquilo!
     2. Arre! É um tal de lavar as mãos com água e sabão; de esfregar álcool em gel até os cotovelos; de usar máscara que mais parece focinheira de pitbulls; de não poder ir ao banco; ao Templo Evangélico; ao Salão do Reino; e à igreja do Santo Padroeiro. 
     3. O tal do Covid-19 (é cada apelido!) proibiu-me de ir ao meu bar; ao meu restaurante; ao Shopping; ao supermercado; à padaria; à farmácia; dirigir o meu carro; ir à banca de jornais; andar pelas ruas do meu bairro, a Pituba, encontrando amigas e amigos, e sabendo das últimas. E aquela voz? "Fique em casa", a toda hora.
     4. Duas proibições, além das que enumerei, têm me incomodado bastante: a de abraçar meus amigos e de beijar minhas amigas, com os quais bato longos papos, alimentando velhas e preciosas amizades...
     Mandaram-me cumprimentá-los, apenas tocando-lhes com o pé ou com o cotovelo . Recuso fazê-lo. Não vou nunca substituir o beijo ou o abraço por uma cotovelada e muito menos por um coice.
     5. Nessa situação, forçada pelo Covid-19, um espirrozinho, e logo penso que estou infectado e que dessa não escapo.
     Em momentos de solidão - vejam o absurdo -, chego a imaginar como será o meu funeral, com as gazetas anunciando a morte (alô, Bolsonaro!) de mais uma vítima da coronavírus ; a de número X.
     6. Que tenho feito para não sair de casa, como aconselhado. Ouvir música; ler bons livros; e escrever minhas crônicas, a maioria dizendo quem eu sou, como eu sou, como quis ser, e, se houver tempo, como ainda pretendo ser, consertando aqui, ali, acolá...
     7. Leitura. No momento estou lendo "Metrópole à beira-mar", o último livro do jornalista Ruy Castro, mineiro de Caratinga, cidadão benemérito do Rio de Janeiro, 72 anos.
     É autor de dezenas de livros. E das biografias de Carmem Miranda, de  Mané Garricha e de Nelson Rodrigues, "O Anjo Pornográfico".  Ruy é cronista da "Folha de São Paulo"; um cronista mordaz, arejado e independente.
     8. Música. Aderi, graças a Santa Cecília, ao "Spotfy", já faz alagum tempo, aposentando o radinho de pilhas. Mas sinto saudades dele. 
     Ah, meu amigo, usando e abusando desse aplicativo sonoro, tenho ouvido músicas do arco da velha!      Voltei a Ângela Maria, a Dolores Duran, às irmãs Batista, a Nora Ney, Marlene, Emilinha, Calheiros, Silvio Caldas, Vicente Celestino, Galhardo, Nelson Gonçalves, Gonzagão e Orlando Silva cantando "Sertaneja " e "Jardineira".
     Esses cantores da velha guarda matam a gente de saudade. Lembrança de antigos amores, ressurgem nas suas vozes e nas suas canções...
     9. Meu gabinete, com suas paredes repletas de livros e guardando em cada canto uma saudade, é o meu refúgio. Faz soar tolerável aquela voz, a me dizer: "Não saia de casa; fique em casa". Tudo por causa do malandro do coronavírus.
     10. Mas amigos, nada melhor, digo o "obvio ululante", do que a liberdade plena, absoluta e irrestrita. 
     Que o maldito do Covid-19 (só o Bolsonaro não acha!) volte pro Inferno, de onde nunca deveria ter saído.
     Agora, leitor amigo, vou correndo lavar minhas mãos, pois, desde cedo, estou caminhando sobre o teclado do meu querido Notebook. 
     Em tempo: Fique em casa! 
          
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 25/03/2020
Reeditado em 28/03/2020
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