CORONADA - III

Ele tinha acabado de entrar em casa, quando o telefone vibrou. Olhou, disfarçou, foi a banheiro, leu a mensagem: "Não consegui embarcar. Estou presa aqui."

Solícito, respondeu: "Nossa, que foda isso, hein?! E aí, o que você vai fazer?"

"Não sei, tô em dúvida. Mas não posso ficar aqui, parada. Ai... você não tem nenhuma ideia?"

Ele bufou entredentes: "Não tenho nenhuma agora. Você não tem parente aqui na cidade, ou então pode ficar em um hotel?"

"Não. Esqueceu que tenho família? Meu marido vai me ligar já já e eu não sei o que falar."

"E se você explicar pra ele que veio para atender um cliente?..."

"Mas foi isso que eu disse pra ele, homem de Deus! O problema é explicar porque estou aqui até agora e que por causa desse tal de corona, não consegui sair da cidade. E, se já não bastasse tudo isso, não tenho dinheiro para um hotel decente."

"Dinheiro eu arrumo pra você, pro hotel e pro Uber. Pode ir tranquila agora mesmo."

Meia hora depois: "Oi, não consegui hotel. Sem chance por aqui. Tudo fechado nessa cidadezinha ducaraio, viu!"

"Nossa, que catzo! E agora?"

"Eu que pergunto. Aliás... não tem um lugar pra eu dormir aí?"

Mais meia hora. Enquanto sobem pelo elevador, ele repassa todo o o plano pra ela:

- Bem, você entendeu, né?

- Entendi, claro que entendi... quer dizer, ainda estou tentando entender. Mas vamos lá!... você quer que eu fale pra sua mãe que sou a nova namorada do seu irmão, o Régis, é isso? Mas... ele não é casado?

- É, mas essa parte é tranquilo, a minha mãe não conversa com a minha cunhada. Então só diga pra ela que você é apenas uma amiga de trabalho, que estão vocês estão ficando, coisinhas assim. Ela é de idade mas vai entender, e o Régis é bem garanhão, tem fama... depois dessa parte, aí sim você conta a verdade, que não pode voltar pra sua cidade porque tá tudo parado por causa desse vírus, mas que amanhã cedinho dará um jeito. Depois dá uma disfarçada, fala que tá cansada e com sono. E vê se descansa.

- Mas não tem perigo dela ligar pro Régis ou ele aparecer aqui?

- Não. Ela até que é discreta, não é de se intrometer nem de fazer muitas perguntas, e ele mora longe.

- Mas ela vai perguntar porque o Regis não subiu.

- Fala que ele estava com pressa por causa da Paula.

- E quem é Pau... ah, tá... já entendi, entendi direitinho... ela é a nora, certo?

- Unrum!

- E eu, bem, eu.. não vou ter jeito, né? Sou a amiga de trabalho. Mas... será que ela vai acreditar?"

- Vai, claro que vai. Capaz até de querer fazer um bolinho de chuva pra você. Agora entra. Beijo. Boa sorte! Te adoro.

No outro dia, pela manhã:

"Oi, princesa, como foi aí com a minha mãe? Deu tudo certo?"

"Tudo bem. Foi mais tranquilo que imaginei. Mas seu irmão está aqui."

"O Régis? Como assim?"

"Sua mãe me recebeu super bem. Mas ligou pra ele, que veio aqui imediatamente ver se estava tudo bem com a nova namorada dele."