O MOTORISTA REVOLTADO
O MOTORISTA REVOLTADO
Iguape, 1977. Por necessidade dos trabalhos, solicitei que São Paulo enviasse para minha obra alguns caminhões fora de estrada. A Constran. Empresa para qual eu trabalhava, possuía uma das maiores pedreiras do Brasil e possuía vários equipamentos desses. Uns dias após, chegaram à obra quatro unidades. Fora de estrada são caminhões que, como o nome diz, não devem ser utilizados em rodovias devido a pressão que exercem no pavimento e suas grandes dimensões, possuem capacidade de carga bem maiores que os caminhões basculantes normais. Com eles vieram seus operadores, funcionários especializados em conduzir e manobrar o equipamento. Esses operadores eram muito bem cuidados pela empresa, possuíam treinamento, com salários e regalias diferenciadas dos motoristas normais. Significa que os operadores chegaram à obra cheios de cobranças, queriam refeições especiais, hospedagem em hotéis, carro à disposição, etc. Chamei os quatro operadores após telefonar a São Paulo e obter a informação que eram funcionários como todos e assim deviam serem tratados. Entraram em minha sala, caras fechadas, um deles era imenso, muito gordo e com cara de bravo. Expliquei calmamente que seriam tratados exatamente igual aos demais funcionários. O grandão protestou, mas acabou aceitando minha explicação. A pedreira que explorávamos ficava a oito quilômetros da obra, distância bem acima da ideal para caminhões fora de estrada, mas haviam rochas de grande volume que somente esses equipamentos carregariam. Iniciamos o transporte e a primeira ocorrência foi causar uma verdadeira destruição da estrada de acesso à Iguape, que sofreu recalques de até um metro. Corrigimos reconstruindo os trechos danificados com material da nossa pedreira. Os serviços prosseguiram até começarmos trabalhar vinte e quatro horas por dia. No jantar do primeiro dia, já noite, irrompe em minha sala o operador bravo, com um marmitex aberta na mão e, irritado, falou, ameaçador:
-Você quer que a gente coma isso?
Era a mesma refeição que eu fizera, elaborada em uma cozinha caseira a cem metros da obra.
Logo atrás entra o Josafá, encarregado da obra, se explicando que o camarada se revoltara e viera falar comigo sem avisar. Olhei o marmitex, feijão, arroz bem solto, carne, legumes, etc. Nem respondi, perguntei ao Josafá, apelido Bafafá.
-Bafafá, quantos homens temos na obra?
-Duzentos e cinquenta, respondeu Josafá.
-Quantos reclamaram da comida?
-Um, esse operador.
Senti que o cara desmontou. Então perguntei a ele:
- Quer dizer que você é o único certo? Temos duzentos e quarenta e nove homens errados? Eu, inclusive.
-Essa comida, eu não gostei, respondeu.
-Não podemos agradar a todos. Volte a trabalhar, quem sabe amanhã você goste da comida.
O camarada virou as costas e foi para a obra. Nunca mais reclamou de nada.
Paulo Miorim, 25/03/2020