Quem saberá dizer o que faz uma saudade

E assim tudo sucedeu: o velho, há 20 anos, sem um dia de falta, saiu às 7 em ponto. Bateu o portão, antes, porém, fez um afago no cão velho, e cego de uma vista, a soleira da porta. Seguindo o hábito, antes de atravessar a rua, trocou rápidas palavras com Manuelito, um anão, que há 20 anos enviuvou e fica a frente do portão esperando a esposa voltar. Exatamente há 20 anos assim inicia seu dia. Depois de Manuelito, atravessa a rua, vira a esquina. A casa azul - um azul já desbotado pelo tempo - recebe o velho pontualmente as 8 horas. Ao fechar a porta, a rua, vazia e silenciosa, esperará até às 17 e ver a porta da casa azul se abrir, e, igual, há 20 anos, o velho, com seu chapéu na mão, dirá curtas palavras a Manuelito que concordará, sem ter ouvido. A casa amarela - que não entrou na história - testemunhara soluços de saudade de alguém que pede anonimato.